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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Tão extrema é ela — acudiu logo Sancho — que, se fossem para mim<br />

mesmo em pessoa, não me seriam mais precisos.<br />

E para logo, autorizado com tal licença, fez mutationem caparum, e pôs a sua<br />

cavalgadura baixa às mil maravilhas, <strong>de</strong>ixando-a a valer três ou cinco vezes mais.<br />

Concluído este arranjo, almoçaram dos restos da comida que também na azêmola<br />

se lhe <strong>de</strong>pararam, beberam da água do arroio dos pisões sem voltarem a cara para<br />

eles! (tal era o aborrecimento em que os tinham pelo medo que lhes haviam<br />

causado!), e dando mate à cólera, e até à melancolia, montaram, e, sem tomarem<br />

caminho <strong>de</strong>terminado (por ser muito <strong>de</strong> cavaleiros andantes o não seguirem via<br />

certa), se <strong>de</strong>ixaram ir por on<strong>de</strong> ao Rocinante se antolhou; após ele iam levadas à toa<br />

a vonta<strong>de</strong> do amo e a do asno, que sempre em boa união o acompanhava por on<strong>de</strong><br />

quer que fosse.<br />

Com tudo isto tornaram à estrada real, e por ela seguiram à ventura, sem<br />

outro algum roteiro.<br />

Como assim iam caminhando, disse Sancho para o amo:<br />

— Quer Vossa Mercê, senhor meu, conce<strong>de</strong>r-me vênia para eu meter mão<br />

num tudo nada <strong>de</strong> palestra com Vossa Mercê? Depois que me pôs aquele custoso<br />

mandamento do silêncio, já me tem apodrecido mais <strong>de</strong> quatro coisas no estômago;<br />

e uma, que eu agora tenho na ponta da língua, não queria eu perdê-la.<br />

— Dize-a embora — disse D. <strong>Quixote</strong> — e sé breve no discorrer, que para os<br />

ditos agradarem, requer-se que por difusos não aborreçam.<br />

— Digo, pois, senhor — respon<strong>de</strong>u Sancho — que dia há que ando<br />

consi<strong>de</strong>rando quão pouco se ganha em andar buscando estas aventuras que Vossa<br />

Mercê espera por estes <strong>de</strong>sertos e encruzilhadas, on<strong>de</strong>, ainda que se vençam e<br />

concluam em bem as mais perigosas, não há quem presencie ou alcance <strong>de</strong>las<br />

notícias; e portanto hão-<strong>de</strong> forçosamente ficar em perpétuo silêncio, com prejuízo do<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Vossa Mercê, e do que elas merecem. Parece-me, portanto, que mais<br />

acertado fora (salvo o mais avisado parecer <strong>de</strong> Vossa Mercê) irmo-nos a servir a<br />

algum Imperador, ou a outro Príncipe gran<strong>de</strong>, que tenha alguma guerra em que<br />

Vossa Mercê melhor possa mostrar o seu valor, as suas gran<strong>de</strong>s forças e claro<br />

entendimento. Reconhecendo todas essas excelências, o tal senhor a quem<br />

servirmos por força nos há-<strong>de</strong> remunerar, a cada qual segundo os seus<br />

merecimentos, não faltando lá por certo quem ponha em escrito as façanhas <strong>de</strong><br />

Vossa Mercê, para perpétua memória. Das minhas nada digo, pois não hão-<strong>de</strong> sair<br />

dos limites escu<strong>de</strong>iráticos, ainda que sei dizer que, se se usa na cavalaria escrever<br />

façanhas <strong>de</strong> escu<strong>de</strong>iros, não me parece que as minhas hajam <strong>de</strong> ficar entre borrões<br />

esquecidos.<br />

— Não dizes mal, Sancho — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — mas, antes <strong>de</strong> se<br />

chegar a esse extremo, é mister andar pelo mundo buscando as aventuras como<br />

escola prática, para que, saindo com alguns feitos em limpo, se cobre nome e fama<br />

tal, que, quando <strong>de</strong>pois se chegar à corte <strong>de</strong> algum gran<strong>de</strong> Monarca, já o cavaleiro<br />

seja conhecido por suas obras, e que, apenas o houverem visto entrar pelas portas<br />

da cida<strong>de</strong>, os rapazes da rua o ro<strong>de</strong>iem e acompanhem, vozeando entre vivas: "Este<br />

é o cavaleiro do Sol", ou "da Serpente", ou <strong>de</strong> outra qualquer insígnia, <strong>de</strong>baixo da<br />

qual houver acabado gran<strong>de</strong>s façanhas. "Este é — dirão — o que venceu em<br />

singular batalha o gigantaço Brocabruno da gran<strong>de</strong> força; o que <strong>de</strong>sencantou o<br />

gran<strong>de</strong> Mameluco da Pérsia do largo encantamento em que tinha permanecido<br />

quase novecentos anos"; e assim <strong>de</strong> mão em mão irão pregoando os seus feitos; e<br />

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