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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

entre si coisas que não podiam ser entendidas <strong>de</strong> perto, quanto mais <strong>de</strong> longe. O<br />

seu trajo era o que já se há <strong>de</strong>scrito. Só quando se acercou um pouco mais,<br />

percebeu D. <strong>Quixote</strong> que um colete dilacerado que trazia era <strong>de</strong> âmbar; por on<strong>de</strong><br />

acabou <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que pessoa <strong>de</strong> tais hábitos não <strong>de</strong>via ser <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> ínfima.<br />

Chegando a eles o mancebo, saudou-os com uma voz <strong>de</strong>sentoada e rouca,<br />

porém com muita cortesia. D. <strong>Quixote</strong> correspon<strong>de</strong>u-lhe à saudação com iguais<br />

termos, e, apeando-se do Rocinante, com gentil porte e bom ar, se lançou a abraçálo,<br />

e o reteve por um bom espaço estreitamente entre os braços, como se fora<br />

conhecido seu já <strong>de</strong> bons tempos.<br />

O outro, a quem po<strong>de</strong>remos chamar o Roto da Má Figura, como a D. <strong>Quixote</strong><br />

o da Triste, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se ter <strong>de</strong>ixado abraçar, o apartou um pouco <strong>de</strong> si, e, postas as<br />

mãos sobre os ombros <strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong>, o esteve encarando como quem procurava<br />

reconhecê-lo, não menos admirado talvez <strong>de</strong> ver a figura, o portamento e as armas<br />

do cavaleiro, do que D. <strong>Quixote</strong> o estava <strong>de</strong> o ver a ele.<br />

Em suma: o primeiro que <strong>de</strong>pois do abraço rompeu o silêncio foi o Roto, o<br />

qual disse o que adiante se vai saber.<br />

CAPÍTULO XXIV<br />

Em que se prossegue a aventura da Serra Morena.<br />

Diz a história que era grandíssima a atenção com que D. <strong>Quixote</strong> escutava o<br />

<strong>de</strong>sgraçado cavaleiro da Serra, o qual prosseguiu dizendo:<br />

— Decerto, senhor, que, sejais vós quem sejais (que eu por mim não vos<br />

conheço), muito grato vos sou pela mostra <strong>de</strong> cortesia com que me haveis tratado.<br />

Bem quisera eu achar-me em termos <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r por obras à boa vonta<strong>de</strong> que<br />

me haveis mostrado neste bom acolhimento; mas não quer a minha sorte dar-me<br />

para retribuir os favores que recebo senão bons <strong>de</strong>sejos.<br />

— Os meus — disse D. <strong>Quixote</strong> — não são senão <strong>de</strong> servir-vos, tanto que já<br />

estava resolvido a não sair <strong>de</strong>stas serras, enquanto vos não achasse, e soubesse <strong>de</strong><br />

vós, se para a dor que mostrais no vosso estranho viver se não po<strong>de</strong>ria dar algum<br />

alívio; e (se fosse necessário buscá-lo) buscá-lo-ia com toda a possível diligência; e<br />

quando a vossa <strong>de</strong>sventura fosse daquelas que nem consolação admitem,<br />

tencionava ajudar-vos a chorá-la, e suavizá-la o melhor que pu<strong>de</strong>sse, que sempre é<br />

alívio nas <strong>de</strong>sgraças termos quem se nos doa <strong>de</strong>las. Agora, se estas minhas<br />

benévolas intenções vos merecem por cortesia algum agra<strong>de</strong>cimento, suplico-vos,<br />

senhor, pela muita bonda<strong>de</strong> que em vós <strong>de</strong>scubro, e vos conjuro por aquilo que<br />

nesta vida mais ten<strong>de</strong>s amado ou amais, que me digais quem sois e a causa que<br />

vos trouxe a viver e a acabar nestas soleda<strong>de</strong>s como animal bruto, pois morais entre<br />

eles tão alheado <strong>de</strong> vós mesmo, como se vê no vosso trajo e no todo da vossa<br />

pessoa; e juro — acrescentou D. <strong>Quixote</strong> — pela or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cavalaria que recebi,<br />

apesar <strong>de</strong> indigno e pecador, e pela profissão <strong>de</strong> cavaleiro andante, que, se nisto,<br />

senhor meu, me comprazeis, juro, digo, servir-vos com as veras a que me obriga o<br />

ser eu quem sou, ou remediando a vossa <strong>de</strong>sgraça, se é remediável, ou aliás<br />

ajudando-vos a chorá-la, como já vos prometi.<br />

O cavaleiro do Bosque, ouvindo falar assim o da Triste Figura, não fazia<br />

senão mirá-lo, remirá-lo e torná-lo a mirar <strong>de</strong> cima a baixo; e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o mirar<br />

quanto quis, disse-lhe:<br />

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