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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Não o digo por outra coisa — redarguiu o barbeiro — senão por ter<br />

mostrado a experiência que todos, ou a maior parte dos arbítrios que se dão a Sua<br />

Majesta<strong>de</strong> ou são impossíveis, ou disparatados, ou danosos ao rei ou ao reino.<br />

— Pois o meu — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — nem é impossível, nem<br />

disparatado, mas o mais fácil, o mais justo, o mais maneiro e breve, que po<strong>de</strong> caber<br />

no pensamento <strong>de</strong> qualquer cavaleiro.<br />

— Já Vossa Mercê tarda em dizê-lo, senhor D. <strong>Quixote</strong> — disse o cura.<br />

— Não quereria — tornou D. <strong>Quixote</strong> — dizê-lo eu agora aqui, e acordar<br />

amanhã nos ouvidos dos senhores conselheiros, e que levasse outro os<br />

agra<strong>de</strong>cimentos e o prêmio do meu trabalho.<br />

— Eu por mim — acudiu o barbeiro — dou a minha palavra, aqui e diante <strong>de</strong><br />

Deus, <strong>de</strong> não transmitir o que Vossa Mercê me disser, nem a rei, nem a roque, nem<br />

a homem algum terreal; juramento que aprendi do romance do cura, que no prefácio<br />

disse a El-Rei quem fora o ladrão que lhe roubara as cem dobras mais a mula<br />

andarilha.<br />

— Não sei <strong>de</strong> histórias — disse D. <strong>Quixote</strong> — mas sei que é bom esse<br />

juramento, pois que tenho fé em ser homem <strong>de</strong> bem o senhor barbeiro.<br />

— E que o não fosse — disse o cura — fico eu por seu abonador e fiador que,<br />

neste caso, não falará mais do que um mudo, sob pena <strong>de</strong> pagar o julgado e<br />

sentenciado.<br />

— E a Vossa Mercê quem o fia, senhor cura? — tornou D. <strong>Quixote</strong>.<br />

— A minha profissão — respon<strong>de</strong>u o cura — que é <strong>de</strong> guardar segredo.<br />

— Corpo <strong>de</strong> tal — acudiu D. <strong>Quixote</strong> — pois que mais é necessário do que<br />

mandar Sua Majesta<strong>de</strong>, por público pregão, que num dia certo se juntem na corte<br />

todos os cavaleiros andantes que vagueiam por Espanha, que, ainda que não viesse<br />

senão meia dúzia, podia aparecer entre eles algum que bastasse só por si para<br />

<strong>de</strong>struir todo o po<strong>de</strong>r do turco? Estejam Vossas Mercês atentos e vão com o que eu<br />

lhes digo. Porventura é coisa nova <strong>de</strong>sfazer um só cavaleiro andante um exército <strong>de</strong><br />

duzentos mil homens, como se todos juntos tivessem uma só garganta ou fossem<br />

feitos <strong>de</strong> alfenim? Se não, digam-me: quantas histórias não há cheias <strong>de</strong>stas<br />

maravilhas? Vivesse hoje, em má hora para mim, que não quero dizer para outro, o<br />

famoso D. Belianis, ou algum dos da inumerável linhagem <strong>de</strong> Amadis <strong>de</strong> Gaula que<br />

se o turco se medisse com algum <strong>de</strong>les, à fé que lhe não arrendava o ganho, nem<br />

por um maravedi; mas Deus olhará pelo seu povo, e algum suscitará que, se não for<br />

tão bravo como os antigos paladinos, pelo menos lhes não será inferior no ânimo; e<br />

Deus me enten<strong>de</strong>, e mais não digo.<br />

— Ai! — acudiu a sobrinha — me matem, se meu tio não quer voltar a ser<br />

cavaleiro andante!<br />

E D. <strong>Quixote</strong> respon<strong>de</strong>u:<br />

— Cavaleiro andante hei-<strong>de</strong> morrer e suba ou <strong>de</strong>sça o turco quando quiser e<br />

quanto pu<strong>de</strong>r, que outra vez digo que Deus me enten<strong>de</strong>.<br />

E nisto acudiu o barbeiro:<br />

— Peço a Vossas Mercês que me dêem licença para narrar um breve caso<br />

que se passou em Sevilha, e que, por vir aqui <strong>de</strong> mol<strong>de</strong>, sinto vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar.<br />

Deu D. <strong>Quixote</strong> a licença, e o cura e os outros prestaram atenção, e mestre Nicolau<br />

começou <strong>de</strong>sta maneira:<br />

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