15.04.2013 Views

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

em vendo que nalguma batalha me partem por meio corpo, como muitas vezes<br />

acontece, a parte do corpo que tiver caído no chão tomá-la-ás com muito jeito e com<br />

muita sutileza, e, antes que o sangue se gele, a porás sobre a outra meta<strong>de</strong> que<br />

tiver ficado na sela, por modo que acerte bem à justa; e dar-me-ás a beber basta<br />

dois tragos do dito bálsamo, e ver-me-ás ficar mais são que um perro.<br />

— Sendo isso verda<strong>de</strong>iro — disse Pança — já daqui dispenso o governo da<br />

prometida ilha, e nada mais quero em paga dos meus muitos e bons serviços, senão<br />

que Sua Mercê me dê a receita <strong>de</strong>ssa milagrosa bebida, que tenho para mim se<br />

po<strong>de</strong>rá ven<strong>de</strong>r a olhos fechados cada onça <strong>de</strong>la por mais <strong>de</strong> quatro vinténs. Não<br />

preciso mais para passar o resto da vida honradamente e com todo o <strong>de</strong>scanso. O<br />

que falta saber é se não será muito custoso arranjá-la.<br />

— Com menos <strong>de</strong> três reales se po<strong>de</strong> fazer canada e meia — respon<strong>de</strong>u D.<br />

<strong>Quixote</strong>.<br />

— Valha-me Deus! — replicou Sancho — por que tarda Vossa Mercê em<br />

fazer isso, e em ensinar-me a receita?<br />

— Cala-te, amigo — respon<strong>de</strong>u o cavaleiro — que maiores segredos tenciono<br />

eu ensinar-te, e fazer-te mercês ainda maiores; e por agora curemo-nos, porque a<br />

orelha me está doendo mais do que eu quisera.<br />

Tirou Sancho dos alforjes os fios e o ungüento; mas, quando D. <strong>Quixote</strong><br />

reparou no estrago da celada, pensou endoi<strong>de</strong>cer; e, posta a mão na espada, e<br />

levantando os olhos ao céu, disse:<br />

— Faço juramento ao Criador <strong>de</strong> todas as coisas, e aos quatro Santos<br />

Evangelhos, on<strong>de</strong> mais por extenso eles estejam escritos, <strong>de</strong> fazer a vida que fez o<br />

gran<strong>de</strong> Marquês <strong>de</strong> Mântua, quando jurou <strong>de</strong> vingar a morte <strong>de</strong> seu sobrinho<br />

Baldovinos, que foi <strong>de</strong> não comer pão em toalha, nem com sua mulher folgar, e<br />

outras coisas, que, ainda que me não lembram, as dou aqui por expressadas,<br />

enquanto não tomar inteira vingança <strong>de</strong> quem tal <strong>de</strong>scortesia me fez.<br />

Ouvindo aquilo Sancho, lhe respon<strong>de</strong>u:<br />

— Advirta Vossa Mercê, senhor D. <strong>Quixote</strong>, que, se o cavaleiro cumpriu o que<br />

lhe foi or<strong>de</strong>nado, <strong>de</strong> ir-se apresentar à minha senhora Dulcinéia <strong>de</strong>l Toboso, já terá<br />

cumprido com o que <strong>de</strong>via, e não merece mais castigo, se não cometer novo <strong>de</strong>lito.<br />

— Falaste e recordaste mui bem — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — e portanto anulo<br />

o juramento na parte que toca a tomar <strong>de</strong>le nova vingança; mas reitero e confirmo o<br />

voto <strong>de</strong> levar a vida que já disse, até que tire a algum cavaleiro outra celada tal e tão<br />

boa como esta era; e não cui<strong>de</strong>s tu, Sancho, que faço isto assim a lume <strong>de</strong> palhas,<br />

pois não me faltam bons exemplos a quem imite neste particular, que outro tanto ao<br />

pé da letra se passou sobre o elmo <strong>de</strong> Mambrino, que tão caro custou a Sacripante.<br />

— Dé Vossa Mercê ao diabo tais juramentos, senhor meu — replicou Sancho<br />

— que redundam em grave dano para a saú<strong>de</strong>, e prejuízo para a consciência.<br />

Quando não, que me diga: se por acaso em muitos dias não encontrarmos homem<br />

armado com celada, que havemos <strong>de</strong> fazer? Há-se <strong>de</strong> cumprir o juramento a<br />

<strong>de</strong>speito <strong>de</strong> tantas <strong>de</strong>sconveniências e incomodida<strong>de</strong>s, como são o dormir vestido e<br />

sempre fora <strong>de</strong> povoado, e outras mil penitências, como continha o voto daquele<br />

doido velho Marquês <strong>de</strong> Mântua, a quem Vossa Mercê agora preten<strong>de</strong> imitar? Olhe<br />

Vossa Mercê bem, que por todos estes caminhos não andam homens armados,<br />

39

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!