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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Já a este tempo estavam sentados ambos na dura terra, em boa paz e<br />

companhia, como se ao romper da manhã não tivessem <strong>de</strong> quebrar a cabeça um ao<br />

outro.<br />

— Porventura, senhor cavaleiro — perguntou o da Selva a D. <strong>Quixote</strong> — sois<br />

enamorado?<br />

— Por <strong>de</strong>sventura o sou — redarguiu D. <strong>Quixote</strong> — ainda que os danos que<br />

nascem <strong>de</strong> bem empregados pensamentos mais se <strong>de</strong>vem consi<strong>de</strong>rar mercês que<br />

<strong>de</strong>sditas.<br />

— Seria assim — redarguiu o da Selva — se não nos turbassem a razão e o<br />

entendimento os <strong>de</strong>sdéns, que, sendo muitos, parecem vinganças.<br />

— Nunca fui <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhado pela minha dama — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong>.<br />

— Não, <strong>de</strong>certo — acudiu Sancho, que estava próximo — a minha senhora é<br />

mansa como uma borrega, e mais branda que a manteiga.<br />

— Este é o vosso escu<strong>de</strong>iro? — perguntou o da Selva.<br />

— É — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong>.<br />

— Nunca vi — redarguiu o da Selva — escu<strong>de</strong>iro que se atrevesse a falar em<br />

sítio on<strong>de</strong> seu amo esteja falando; pelo menos aí está esse meu, que nunca<br />

<strong>de</strong>scerra os lábios quando eu falo.<br />

— Pois por minha fé — tornou Sancho — falei eu, e posso falar diante <strong>de</strong><br />

quem quiser, e até... mas fiquemos por aqui, que quanto mais se lhe mexe...<br />

O escu<strong>de</strong>iro do da Selva travou do braço a Sancho, dizendo-lhe:<br />

— Vamos nós ambos para on<strong>de</strong> possamos falar escu<strong>de</strong>irilmente à nossa<br />

vonta<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>ixemos estes nossos amos falar pelos cotovelos nos seus amores, que<br />

<strong>de</strong>certo que os apanha o dia sem eles terem acabado.<br />

— Em boa hora seja — tornou Sancho — e eu direi a Vossa Mercê quem sou,<br />

para que veja se posso entrar na conta dos mais faladores.<br />

Nisto se apartaram os dois escu<strong>de</strong>iros, entre os quais houve colóquio tão<br />

gracioso, como foi grave o que travaram os amos.<br />

CAPÍTULO XIII<br />

On<strong>de</strong> prossegue a aventura do cavaleiro da Selva, com o discreto, novo e<br />

suave colóquio que houve entre os dois escu<strong>de</strong>iros.<br />

Estavam separados cavaleiros e escu<strong>de</strong>iros: estes contando a sua vida, e<br />

aqueles, os seus amores; mas a história refere primeiro a palestra dos criados e logo<br />

segue com a dos amos; e assim nota que, apartando-se um pouco, disse o da Selva<br />

a Sancho:<br />

— Trabalhosa vida é a que passamos e vivemos, senhor meu, os que somos<br />

escu<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> cavaleiros andantes; po<strong>de</strong>-se dizer, na verda<strong>de</strong>, que comemos o pão<br />

ganho com o suor do nosso rosto, que foi uma das maldições que Deus <strong>de</strong>itou aos<br />

nossos primeiros pais.<br />

— Também se po<strong>de</strong> dizer — acrescentou Sancho — que o comemos com o<br />

gelo dos nossos corpos, porque, quem é que tem mais calor e mais frio do que os<br />

míseros escu<strong>de</strong>iros da cavalaria andante? E ainda não era mau se comêssemos,<br />

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