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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Admirada ficou Dorotéia quando ouviu o nome <strong>de</strong> seu pai, e reparou no<br />

somenos que era quem lho proferia (já está sabido o maltrapilho que ele andava) e<br />

disse-lhe:<br />

— E vós quem sois, irmão, que assim sabeis o nome <strong>de</strong> meu pai? Porque eu<br />

até agora, se bem me lembro, nunca na minha narrativa o nomeei.<br />

— Sou — respon<strong>de</strong>u Cardênio — aquele sem ventura, que, segundo vós,<br />

senhora, aí dissestes, Lucinda <strong>de</strong>clarou ser seu esposo; sou o <strong>de</strong>sditado Cardênio, a<br />

quem a perfídia do mesmo <strong>de</strong> quem também sois vítima reduziu a este estado que<br />

ve<strong>de</strong>s, roto, nu, falto <strong>de</strong> todo o conforto humano, e, o que é ainda pior, falto do juízo,<br />

pois só o tenho quando nalguns breves intervalos o céu se lembra <strong>de</strong> mo emprestar.<br />

Sou, sou eu, Dorotéia, aquele que se achou presente às infâmias <strong>de</strong> D. Fernando, e<br />

se <strong>de</strong>teve aguardando o sim <strong>de</strong> Lucinda; sou o que não teve ânimo para esperar o<br />

<strong>de</strong>sfecho do <strong>de</strong>smaio <strong>de</strong>la e aguardar o que resultaria do papel que lhe acharam no<br />

seio. Faltou-me valor para tanto pa<strong>de</strong>cimento junto; fugi da casa <strong>de</strong>scorçoado, <strong>de</strong>ixei<br />

a um hospe<strong>de</strong>iro meu uma carta a Lucinda para lhe ser entregue, e corri para estas<br />

soleda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>terminado em acabar nelas a existência, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquele instante<br />

fiquei aborrecendo como inimiga mortal. Não aprouve porem à sorte livrar-me <strong>de</strong>la;<br />

contentou-se com tirar-me o juízo; foi talvez a sua idéia que eu sobrevivesse para a<br />

boa ventura que hoje tive em dar convosco, pois, sendo verda<strong>de</strong>, como acredito, o<br />

que nos haveis contado, ainda não era impossível, que a ambos nós nos reservasse<br />

Deus melhor êxito nos nossos <strong>de</strong>sastres, do que nós supomos; porquanto, não<br />

po<strong>de</strong>ndo Lucinda casar com D. Fernando por ser minha, nem D. Fernando com ela<br />

por ser vosso, tendo ela manifestado tão solenemente a verda<strong>de</strong>, bem po<strong>de</strong>mos<br />

esperar que a Providência nos restitua ainda o que nos pertence por direito<br />

incontroverso. Uma vez que temos esta luz no futuro, e esta esperança não remota,<br />

nem fundada em quimeras, suplico-vos, senhora, que mais acertadamente se<br />

encaminhem os vossos honrados pensamentos; outro tanto farei eu da minha parte;<br />

sujeito-me a esperar por melhor fortuna. À fé <strong>de</strong> cavaleiro e cristão vos juro não vos<br />

<strong>de</strong>samparar enquanto vos não veja em po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> D. Fernando; juro mais, que, se<br />

com razões o não pu<strong>de</strong>r trazer ao conhecimento do que vos <strong>de</strong>ve, usarei então da<br />

licença que me dá o ser cavalheiro, e po<strong>de</strong>r com justo motivo <strong>de</strong>safiá-lo pela semrazão<br />

que vos faz, sem me lembrar então dos meus agravos particulares, cuja<br />

vingança <strong>de</strong>ixarei por conta do céu; na terra só os vossos me importam.<br />

Com o que a Cardênio ouviu, acabou Dorotéia <strong>de</strong> se maravilhar, e por não<br />

atinar com agra<strong>de</strong>cer tamanhos oferecimentos, quis beijar-lhe os pés, no que ele<br />

não consentiu.<br />

Respon<strong>de</strong>u entre ambos o licenciado, e aprovou a boa resolução <strong>de</strong><br />

Cardênio; sobretudo lhes rogou, aconselhou, e persuadiu que se fossem com ele à<br />

sua al<strong>de</strong>ia, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>riam refazer <strong>de</strong> todo o necessário, e <strong>de</strong>pois se enten<strong>de</strong>ria<br />

no procurar a D. Fernando, ou no levar-se Dorotéia a seus pais, ou no que mais<br />

conveniente parecesse. Agra<strong>de</strong>ceram-lhe Cardênio e Dorotéia, e lhe aceitaram o<br />

prometido favor.<br />

O barbeiro, que a tudo tinha estado suspenso e silencioso, fez também a sua<br />

boa prática, e se ofereceu, com tão boa vonta<strong>de</strong> como o cura, para tudo em que os<br />

pu<strong>de</strong>sse servir. Contou em breves termos a causa que os ali trouxera, e bem assim<br />

a estranha loucura <strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong>, acrescentando que estavam esperando pelo<br />

escu<strong>de</strong>iro, que tinha ido à sua procura.<br />

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