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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Demos que, por mal dos meus pecados (ou por minha boa sorte), me<br />

encontro por aí com algum gigante como <strong>de</strong> ordinário acontece aos cavaleiros<br />

andantes, e o <strong>de</strong>rribo <strong>de</strong> um recontro, ou o parto em dois, ou finalmente o venço e<br />

rendo; não será bem ter a quem mandá-lo apresentar, para que ele entre, e se lance<br />

<strong>de</strong> joelhos aos pés da minha preciosa senhora e lhe diga com voz humil<strong>de</strong> e<br />

rendida: "Eu, senhora, sou o gigante Caraculiambro, senhor da ilha Malindrânia, a<br />

quem venceu em singular batalha o jamais dignamente louvado cavaleiro D. <strong>Quixote</strong><br />

<strong>de</strong> la <strong>Mancha</strong>, o qual me or<strong>de</strong>nou me apresentasse perante Vossa Mercê, para que<br />

a vossa gran<strong>de</strong>za disponha <strong>de</strong> mim como for servida"?<br />

Como se alegrou o nosso bom cavaleiro <strong>de</strong> ter engenhado este discurso, e<br />

especialmente quando atinou com quem pu<strong>de</strong>sse chamar a sua dama!<br />

Foi o caso, conforme se crê, que, num lugar perto do seu, havia certa moça<br />

lavradora <strong>de</strong> muito bom parecer, <strong>de</strong> quem ele em tempos andara enamorado, ainda<br />

que (segundo se enten<strong>de</strong>) ela nunca o soube, nem <strong>de</strong> tal <strong>de</strong>sconfiou. Chamava-se<br />

Aldonça Lourenço; a esta é que a ele pareceu bem dar o título <strong>de</strong> senhora dos seus<br />

pensamentos; e buscando-lhe nome que não <strong>de</strong>sdissesse muito do que ela tinha, e<br />

ao mesmo tempo <strong>de</strong>sse seus ares <strong>de</strong> princesa e grã-senhora, veio a chamá-la<br />

Dulcinéia <strong>de</strong>l Toboso, por ser Toboso a al<strong>de</strong>ia da sua naturalida<strong>de</strong>; nome este (em<br />

seu enten<strong>de</strong>r) músico, peregrino, e significativo, como todos os mais que a si e às<br />

suas coisas já havia posto.<br />

CAPÍTULO II<br />

Que trata da primeira saída que <strong>de</strong> sua terra fez o engenhoso D. <strong>Quixote</strong>.<br />

Concluídos pois todos estes arranjos, não quis retardar mais o pôr em efeito o<br />

seu pensamento, estimulando-o a lembrança da falta que estava já fazendo ao<br />

mundo a sua tardança, segundo eram os agravos que pensava <strong>de</strong>sfazer, semrazões<br />

que endireitar, injustiças que reprimir, abusos que melhorar, e dívidas que<br />

satisfazer.<br />

E assim, sem a ninguém dar parte da sua intenção, e sem que ninguém o<br />

visse, uma manhã antes do dia, que era um dos encalmados <strong>de</strong> Julho, apercebeu-se<br />

<strong>de</strong> todas as suas armas, montou-se no Rocinante, posta a sua celada feita à pressa,<br />

embraçou a sua adarga, empunhou a lança, e pela porta furtada <strong>de</strong> um pátio se<br />

lançou ao campo, com grandíssimo contentamento e alvoroço, <strong>de</strong> ver com que<br />

felicida<strong>de</strong> dava princípio ao seu bom <strong>de</strong>sejo.<br />

Mas, apenas se viu no campo, quando o assaltou um terrível pensamento, e<br />

tal, que por pouco o não fez <strong>de</strong>sistir da começada empresa: lembrou-lhe não ter sido<br />

ainda armado cavaleiro, e que, segundo a lei da cavalaria, não podia nem <strong>de</strong>via<br />

tomar armas com algum cavaleiro; e ainda que as tomara, havia <strong>de</strong> levá-las brancas,<br />

como cavaleiro donzel, sem empresa no escudo enquanto por seu esforço a não<br />

ganhasse.<br />

Estes pensamentos não <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> lhe abalar os propósitos; mas, po<strong>de</strong>ndo<br />

nele mais a loucura do que outra qualquer razão, assentou em que se faria armar<br />

cavaleiro por algum que topasse, à imitação <strong>de</strong> muitos que também assim o fizeram,<br />

segundo ele tinha lido nos livros do seu uso; e, quanto a armas brancas, limparia as<br />

suas por modo, logo que para isso tivesse lugar, que nem um arminho lhes<br />

ganhasse.<br />

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