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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

<strong>de</strong>sembuçasse; ela olhou para o cativo, como quem o consultava sobre o que lhe<br />

diziam, e o que ela <strong>de</strong>via fazer; e ele, falando-lhe em língua arábica, lhe disse que<br />

lhe pediam para <strong>de</strong>scobrir seu rosto, e que assim o fizesse; ao que obe<strong>de</strong>cendo,<br />

<strong>de</strong>scobriu um rosto tão perfeito que Dorotéia a teve por mais formosa que Lucinda, e<br />

Lucinda por mais formosa que Dorotéia, e todos os circunstantes foram <strong>de</strong> opinião,<br />

que, se alguma mulher havia que pu<strong>de</strong>sse igualar as duas, era sem dúvida a moura,<br />

e alguns chegaram mesmo a achar que ela as excedia em certos pontos <strong>de</strong><br />

perfeição; e, como a formosura tenha por especial prerrogativa, e por graça singular,<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ganhar as vonta<strong>de</strong>s e atrair os ânimos, logo todos se ren<strong>de</strong>ram ao <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> servir e amimar a bela moura; e D. Fernando perguntou ao cativo como ela se<br />

chamava, ao que este respon<strong>de</strong>u que se chamava Lela Zoraida; e porque ela ouviu<br />

e enten<strong>de</strong>u a pergunta e a resposta, acudiu com muita pressa, e disse com uma<br />

espécie <strong>de</strong> pesar muito engraçado:<br />

— Não, não Zoraida, Maria, Maria — dando assim a enten<strong>de</strong>r que se<br />

chamava Maria, e não Zoraida.<br />

Estas palavras e o gran<strong>de</strong> afeto, com que a moura as pronunciou, fizeram<br />

borbulhar as lágrimas nos olhos <strong>de</strong> alguns dos que ali estavam, particularmente das<br />

mulheres, que por sua natureza são ternas e compassivas.<br />

Abraçou-a Lucinda com muito amor, dizendo-lhe:<br />

— Sim, sim, Maria, Maria.<br />

Ao que a moura respon<strong>de</strong>u:<br />

— Sim, sim, Maria, Zoraida, macange — que quer dizer, não.<br />

A este tempo já era chegada a noite, e por or<strong>de</strong>m dos que vinham com D.<br />

Fernando havia o ven<strong>de</strong>iro com gran<strong>de</strong> cuidado e diligência preparado a ceia o<br />

melhor que lhe foi possível.<br />

Logo que foram horas competentes assentaram-se todos a uma mesa muito<br />

comprida e estreita, porque na venda uma mesa regular, redonda, ou quadrada, era<br />

coisa que não existia, e <strong>de</strong>ram a cabeceira ou lugar principal, apesar das suas<br />

recusas, a D. <strong>Quixote</strong>, o qual quis que ao seu lado se assentasse a senhora <strong>de</strong><br />

Micomicão, porque ele era o seu cavaleiro e <strong>de</strong>fensor.<br />

Em seguida assentaram-se Lucinda e Zoraida, e fronteiros a estas D.<br />

Fernando e Cardênio, e logo os outros cavaleiros, e do lado das senhoras e ao pé<br />

<strong>de</strong>las o cura e o barbeiro: e <strong>de</strong>ste modo cearam com gran<strong>de</strong> satisfação, a qual subiu<br />

<strong>de</strong> ponto quando viram a D. <strong>Quixote</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> comer, e, movido por outro espírito<br />

semelhante àquele que o fez falar, quando ceou com os cabreiros, principiar o<br />

discurso seguinte:<br />

— Verda<strong>de</strong>iramente, senhores meus, se bem se consi<strong>de</strong>ram as coisas, são<br />

muitas vezes extraordinários e inauditos os acontecimentos presenciados por todos<br />

os que professam a or<strong>de</strong>m da cavalaria andante: senão, dizei-me; quem seria o<br />

habitador <strong>de</strong>ste mundo, que, entrando pela porta <strong>de</strong>ste castelo, e vendo-nos estar<br />

do modo que estamos, pu<strong>de</strong>sse ajuizar e crer que nós somos quem somos? Quem<br />

pensaria que esta senhora, aqui ao meu lado assentada, é a gran<strong>de</strong> rainha que<br />

todos nós sabemos, e que eu sou aquele cavaleiro da Triste Figura, cujo nome a<br />

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