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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Pois, se assim é — disse o cônego — levem daqui todas as cavalgaduras,<br />

e tragam a azêmola.<br />

Enquanto isto se passava, vendo Sancho que podia falar a D. <strong>Quixote</strong>, sem<br />

ser em presença do cura e do barbeiro, que tinha por suspeitos, chegou-se à jaula<br />

on<strong>de</strong> ia seu amo e disse-lhe:<br />

— Senhor, para <strong>de</strong>scargo da minha consciência, quero-lhe dizer o que se<br />

passa acerca do seu encantamento; e é, que estes dois que aqui vêm com os rostos<br />

encobertos são o cura e o barbeiro do nosso lugar, e suponho que tramaram levá-lo<br />

<strong>de</strong>ste modo, <strong>de</strong> pura inveja que têm, por ver que Vossa Mercê pratica tão famosas<br />

façanhas. Sendo assim, claro se vê que não vai encantado, mas sim embaido e<br />

logrado. E, para prova disso, lhe quero perguntar uma coisa e, se me respon<strong>de</strong>r<br />

como espero, tocará com a mão neste engano, e verá que não vai encantado, mas<br />

ourado do juízo.<br />

— Pergunta o que quiseres, Sancho meu filho — tornou D. <strong>Quixote</strong> — que eu<br />

te satisfarei e respon<strong>de</strong>rei, como tu <strong>de</strong>sejas; e, em quanto ao que dizes <strong>de</strong>sses que<br />

aí vão serem o cura e o barbeiro, nossos compatriotas e conhecidos, po<strong>de</strong>rá muito<br />

bem ser que pareça que são eles mesmos; mas não creias que realmente o sejam; o<br />

que hás-<strong>de</strong> crer e enten<strong>de</strong>r é que, se o parecem, como dizes, será porque os que<br />

me encantaram tomaram esse aspecto, porque é fácil aos nigromantes tomarem a<br />

figura que querem, e talvez tomassem as <strong>de</strong>sses nossos amigos, para te darem<br />

ensejo <strong>de</strong> pensares o que pensas e meterem-te num labirinto <strong>de</strong> imaginações, que<br />

não conseguirias sair <strong>de</strong>le, nem que tivesses o novelo <strong>de</strong> Teseu; e também o fariam,<br />

talvez, para eu vacilar no meu entendimento, e não po<strong>de</strong>r atinar don<strong>de</strong> é que me<br />

vem este dano; porque, se por uma parte me dizes que me acompanham o cura e o<br />

barbeiro da nossa povoação, e por outra me vejo engaiolado, e <strong>de</strong> mim sei que<br />

forças humanas, não sendo sobrenaturais, não seriam bastantes para cativar-me,<br />

que queres que diga ou que pense, senão que o modo do meu encantamento<br />

exce<strong>de</strong> quantos tenho lido em todas as histórias que tratam <strong>de</strong> cavaleiros andantes<br />

que foram encantados? Assim, bem po<strong>de</strong>s ficar em paz e sossego, quanto a serem<br />

os que tu dizes, porque tanto são eles como eu sou turco; e pelo que toca a<br />

quereres-me perguntar alguma coisa, fala, que eu te respon<strong>de</strong>rei, ainda que estejas<br />

a fazer perguntas até amanhã.<br />

— Valha-me Nosso Senhor — respon<strong>de</strong>u Sancho, dando um gran<strong>de</strong> brado —<br />

pois é possível que seja Vossa Mercê tão duro <strong>de</strong> cabeça e tão falto <strong>de</strong> miolo, que<br />

não veja que é a pura verda<strong>de</strong> o que eu digo, e que nesta sua prisão e <strong>de</strong>sgraça<br />

entra mais a malícia do que o encantamento? Mas, se assim é, quero-lhe provar<br />

evi<strong>de</strong>ntemente que não vai encantado; senão diga-me, assim Deus o livre <strong>de</strong>ste<br />

tormento, e assim se veja nos braços da minha senhora Dulcinéia, quando menos<br />

pensar. ..<br />

— Acaba <strong>de</strong> esconjurar-me — tornou D. <strong>Quixote</strong> — e pergunta o que<br />

quiseres, que já te disse que te respon<strong>de</strong>rei com toda a pontualida<strong>de</strong>.<br />

— Isso peço — redarguiu Sancho — e o que <strong>de</strong>sejo é que me responda, sem<br />

aumentar nem tirar coisa alguma, mas com toda a verda<strong>de</strong>, como se espera que<br />

digam e hão-<strong>de</strong> dizer todos os que professam as armas, como Vossa Mercê<br />

professa, <strong>de</strong>baixo do título <strong>de</strong> cavaleiros andantes.<br />

— Estou farto <strong>de</strong> te dizer que não mentirei em coisa alguma — respon<strong>de</strong>u D.<br />

<strong>Quixote</strong>; — vê se perguntas, que, na verda<strong>de</strong>, me fatigas com tantos rogos e<br />

precauções, Sancho.<br />

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