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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Valha-te o diabo, meu rústico! — disse D. <strong>Quixote</strong> — fortes discrições dizes<br />

tu às vezes! Pareces homem <strong>de</strong> estudos.<br />

— Pois posso-lhe jurar que nem ler sei — respon<strong>de</strong>u Sancho.<br />

Nisto ouviram apupos do mestre Nicolau que os esperassem porque <strong>de</strong>sejavam<br />

<strong>de</strong>ter-se um pouco a beber numa fontainha que ali estava. Deteve-se D. <strong>Quixote</strong><br />

com gran<strong>de</strong> satisfação <strong>de</strong> Sancho, que já estava cansado <strong>de</strong> enfiar mentiras, e tinha<br />

medo <strong>de</strong> que o amo o apanhasse em algum lapso, porque tudo o que ele sabia <strong>de</strong><br />

Dulcinéia era ser ela uma lavradora <strong>de</strong> Toboso, mas nunca em dias <strong>de</strong> vida lhe<br />

pusera os olhos.<br />

Já então Cardênio tinha envergado o fato com que Dorotéia estava quando a<br />

princípio a encontraram; não era do melhor, mas sempre era preferível aos andrajos.<br />

Apearam-se ao pé da fonte e, com o que o padre cura trouxera da venda por<br />

cautela, satisfizeram, ainda que não em cheio, a gana que todos traziam. Enquanto<br />

manducavam, acertou <strong>de</strong> passar por ali um rapaz que ia <strong>de</strong> caminho, o qual, pondose<br />

a olhar com muita atenção para todos os que estavam à beira da fonte, assim<br />

como reconheceu D. <strong>Quixote</strong>, foi para ele, e, abraçando-o pelas pernas, começou a<br />

fingir que chorava, dizendo:<br />

— Ah, meu senhor! Já Vossa Mercê me não conhece? Repare bem: sou<br />

aquele rapaz André, que Vossa Mercê soltou da azinheira a que estava preso.<br />

eram:<br />

Reconheceu-o D. <strong>Quixote</strong>, e, tomando-o pela mão, disse para quantos ali<br />

— Para que Vossas Mercês vejam que importante coisa é haver cavaleiros<br />

andantes no mundo, que <strong>de</strong>sfaçam as injustiças e agravos que nele fazem os<br />

insolentes e maus homens que por ele se encontram, saibam que uns dias atrás,<br />

passando eu por um bosque, ouvi uns gritos sentidíssimos, como <strong>de</strong> pessoa afligida<br />

e necessitada. Acudi logo, levado da minha obrigação, para a parte don<strong>de</strong> se me<br />

figurou que vinham os lamentos, e achei atado a uma azinheira este muchacho que<br />

aí está; com o que muito folgo, pois me não <strong>de</strong>ixará mentir. Repito que estava atado<br />

ao tronco <strong>de</strong>spido da cinta para cima, e um vilão (que <strong>de</strong>pois soube ser seu amo) a<br />

escalá-lo <strong>de</strong> açoites com as ré<strong>de</strong>as duma égua. Mal que o vi, perguntei-lhe a causa<br />

<strong>de</strong> tão cruel suplício. Respon<strong>de</strong>u-me o palerma que o açoitava porque era seu<br />

criado, e que certos prejuízos que lhe ocasionava mais provinham <strong>de</strong> ser rapinante<br />

do que tolo; e ao que este mesmo acudiu: "Não é verda<strong>de</strong>; açoita-me só por lhe eu<br />

pedir a minha soldada." O amo refilou não sei que arengas e <strong>de</strong>sculpas, que eu bem<br />

ouvi, mas que não admiti. Em suma: fiz que o soltasse, e tomei juramento ao<br />

campônio <strong>de</strong> que o levaria consigo, e lhe pagaria muito bem contado e recontado.<br />

Não é verda<strong>de</strong> tudo isto, pequenito? Não notaste a autorida<strong>de</strong> com que lhe falei, e<br />

com quanta humilda<strong>de</strong> ele prometeu cumprir todas as minhas or<strong>de</strong>ns? Respon<strong>de</strong>;<br />

não te atrapalhes nem tenhas medo; conta a estes senhores tudo como foi, para que<br />

se reconheça ser, como digo, proveitoso andarem pelos caminhos cavaleiros<br />

andantes.<br />

— Tudo que Vossa Mercê aí disse é muita verda<strong>de</strong> — respon<strong>de</strong>u o muchacho<br />

— mas o fim do negócio é que saiu às avessas do que Vossa Mercê cuida.<br />

— Como às avessas? — exclamou D. <strong>Quixote</strong> — Então o vilanaz não te<br />

pagou?<br />

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