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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

<strong>de</strong>penadas que estavam suspensas das árvores, para irem para o caldo, não tinham<br />

conta; as aves e caça <strong>de</strong> vário gênero eram infinitas, penduradas também das<br />

árvores, para esfriar. Contou Sancho mais <strong>de</strong> sessenta odres, <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> duas<br />

arrobas cada um e todos cheios, como <strong>de</strong>pois se viu, <strong>de</strong> vinhos generosos; havia<br />

rumas <strong>de</strong> pão alvíssimo, como costuma haver montes <strong>de</strong> trigo nas eiras; os queijos,<br />

postos como ladrilhos empilhados, formavam uma muralha, e duas cal<strong>de</strong>iras <strong>de</strong><br />

azeite, maiores que as <strong>de</strong> uma tinturaria, serviam para frigir coisas <strong>de</strong> massa, que<br />

com duas valentes pás se tiravam para fora e iam para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> outra cal<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

mel preparado, que ficava próxima. Os cozinheiros e cozinheiras passavam <strong>de</strong><br />

cinqüenta, todos asseados, diligentes e satisfeitos. No dilatado ventre da vitela<br />

estavam doze pequenos leitões que, cozidos por cima, serviam para lhe dar sabor e<br />

fazê-la tenra; as várias especiarias parecia que se não tinham comprado aos<br />

arráteis, mas às arrobas, e estavam francas numa gran<strong>de</strong> arca.<br />

Finalmente, o aparato da boda era rústico, mas tão abundante, que podia<br />

sustentar um exército.<br />

Para tudo Sancho Pança olhava, e afeiçoava-se a tudo. Primeiro ren<strong>de</strong>ram-no<br />

e cativaram-lhe o <strong>de</strong>sejo as olhas <strong>de</strong> que ele tomaria uma malga <strong>de</strong> muito bom<br />

grado; <strong>de</strong>pois pren<strong>de</strong>ram-lhe a vonta<strong>de</strong> os odres; e ultimamente as massas e doces;<br />

afinal, sem po<strong>de</strong>r mais, chegou-se a um dos solícitos cozinheiros e, com razões<br />

corteses e famintas, rogou-lhe que lhe <strong>de</strong>ixasse molhar um pedaço <strong>de</strong> pão numa<br />

daquelas olhas.<br />

— Irmão — respon<strong>de</strong>u-lhe o cozinheiro — neste dia, graças ao opulento<br />

Camacho, não tem a fome jurisdição; apeai-vos, ve<strong>de</strong> se há por aí uma concha,<br />

escumai uma ou duas galinhas, e que vos faça muito bom proveito.<br />

— Não vejo nenhuma — respon<strong>de</strong>u Sancho.<br />

— Esperai! — tornou o cozinheiro — mal pecado! que melindroso e acanhado<br />

que vós sois!<br />

E, dizendo isto, agarrou numa caçarola e, metendo-a numa das tinas, tirou<br />

para fora três galinhas e dois patos, e disse para Sancho:<br />

— Aqui ten<strong>de</strong>s, amigo, e almoçai, enquanto não chega hora <strong>de</strong> jantar.<br />

— Não tenho on<strong>de</strong> a <strong>de</strong>spejar — respon<strong>de</strong>u Sancho.<br />

— Pois levai a caçarola — tornou o cozinheiro — que a riqueza e satisfação<br />

<strong>de</strong> Camacho a tudo suprem.<br />

Enquanto se passava isto com Sancho, estava D. <strong>Quixote</strong> vendo entrar pela<br />

ramada doze lavradores, montados em doze formosíssimas éguas, com ricos e<br />

formosos jaezes campestres e muitos guizos nos peitorais, e todos vestidos <strong>de</strong> gala<br />

e <strong>de</strong> festa, que em concertado tropel <strong>de</strong>ram muitas carreiras pelo prado, com alegre<br />

algazarra e gritaria, dizendo:<br />

— Vivam Camacho e Quitéria, ele tão rico como ela é formosa, e ela a mais<br />

formosa do mundo.<br />

Ouvindo isto, disse D. <strong>Quixote</strong> consigo:<br />

— Bem se mostra que estes não viram Dulcinéia <strong>de</strong>l Toboso, que, se a<br />

tivessem visto, teriam mais tento nos louvores <strong>de</strong>sta sua Quitéria.<br />

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