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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

marido, com a gorra na mão, em querer acompanhar o alcai<strong>de</strong>. Vendo isto D.<br />

Cacilda, cheia <strong>de</strong> cólera e <strong>de</strong> raiva, tirou um gran<strong>de</strong> alfinete, ou creio que uma<br />

agulheta do colete, e enterrou-lho no lombo, com tanta força, que meu marido soltou<br />

um gran<strong>de</strong> grito e torceu o corpo, <strong>de</strong> modo que <strong>de</strong>u com sua ama em terra.<br />

Acudiram dois lacaios a levantá-la e o mesmo fizeram o alcai<strong>de</strong> e os aguazis.<br />

Alvorotou-se a porta <strong>de</strong> Guadalajara, quero dizer, a gente ociosa que estava ali. Veio<br />

minha ama a pé, e meu marido correu a casa <strong>de</strong> um barbeiro, dizendo que levava<br />

atravessadas as entranhas <strong>de</strong> lado a lado. Tanto se divulgou a cortesia <strong>de</strong> meu<br />

esposo, que os garotos apupavam-no pelas ruas; e por isto, e por ser um tanto curto<br />

<strong>de</strong> vista, o <strong>de</strong>spediu a minha senhora, e esse pesar tenho para mim que foi sem<br />

dúvida alguma o que lhe causou a morte. Fiquei eu viúva e <strong>de</strong>samparada e com<br />

uma filha às costas, que ia crescendo em formosura como a espuma do mar.<br />

Finalmente, como eu tinha fama <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> costureira, a duquesa minha senhora,<br />

que estava recém-casada com o duque meu senhor, quis-me trazer consigo para<br />

este reino <strong>de</strong> Aragão, e a minha filha também, a qual com o andar dos tempos foi<br />

crescendo, e com ela cresceu todo o donaire do mundo: canta como uma calhandra,<br />

dança como o pensamento, baila como uma perdida, lê e escreve como um mestreescola<br />

e conta como um sovina: do seu asseio nada digo, que a água que corre não<br />

é mais limpa, e <strong>de</strong>ve ter agora, se bem me recordo, <strong>de</strong>zesseis anos, cinco meses e<br />

três dias, mais um, menos um. Enfim, <strong>de</strong>sta minha rapariga se enamorou o filho <strong>de</strong><br />

um lavrador riquíssimo, que vive numa al<strong>de</strong>ia do duque meu senhor, não muito longe<br />

daqui. Efetivamente, não sei como nem como não, juntaram-se, e ele seduziu a<br />

minha filha com promessa <strong>de</strong> ser seu marido, promessa que não quer cumprir, e<br />

ainda que o duque meu senhor já o sabe, porque já me queixei a ele muitas vezes,<br />

pedindo-lhe que man<strong>de</strong> que o tal lavrador case com minha filha, faz ouvidos <strong>de</strong><br />

mercador, e quase que nem me quer ouvir; e o motivo disso é ser o pai do sedutor<br />

muito rico e emprestar-lhe dinheiro, e <strong>de</strong> vez em quando ficar por seu fiador, e por<br />

isso o não quer <strong>de</strong>scontentar nem afligir <strong>de</strong> modo algum. Quereria, pois, senhor<br />

meu, que Vossa Mercê se encarregasse <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfazer este agravo, ou com rogos, ou<br />

com armas; pois, segundo todos dizem, Vossa Mercê nasceu para <strong>de</strong>sfazer agravos<br />

e amparar os míseros; e represente-lhe Vossa Mercê a orfarida<strong>de</strong> da minha filha, a<br />

sua mocida<strong>de</strong> e gentileza, com as prendas que eu já disse que tem, que entendo em<br />

minha consciência que <strong>de</strong> todas as donzelas da senhora duquesa, não há nenhuma<br />

que lhe chegue às solas dos sapatos, e uma a quem chamam Altisidora, que é a que<br />

passa por mais <strong>de</strong>senvolta e galharda, não é nada em comparação da minha;<br />

porque há-<strong>de</strong> saber Vossa Mercê que nem tudo o que luz é ouro; essa Altisidorita<br />

tem mais <strong>de</strong> presumida que <strong>de</strong> formosa, e tem então um mau hálito que se não po<strong>de</strong><br />

parar ao pé <strong>de</strong>la; e até a duquesa, minha senhora... cala-te, boca, que se costuma<br />

dizer que as pare<strong>de</strong>s têm ouvidos.<br />

— Por vida minha, o que é que tem a duquesa minha senhora? — perguntou<br />

D. <strong>Quixote</strong>.<br />

— Pedindo-me pela sua vida que lho diga, senhor D. <strong>Quixote</strong>, não posso<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r com toda a verda<strong>de</strong>. Vê Vossa Mercê a formosura da senhora<br />

duquesa, aquela tez do rosto, que lembra uma espada açacalada e tersa; aquelas<br />

duas faces <strong>de</strong> leite e <strong>de</strong> carmim, que parece que numa tem o sol e noutra a lua;<br />

aquela galhardia com que pisa e como que <strong>de</strong>spreza o chão, que se diria que vai<br />

<strong>de</strong>rramando saú<strong>de</strong> por on<strong>de</strong> passa? Pois saiba Vossa Mercê que o po<strong>de</strong> ela<br />

agra<strong>de</strong>cer primeiro a Deus e, <strong>de</strong>pois, a duas fontes que tem nas pernas, por on<strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>speja todo o mau humor, <strong>de</strong> que dizem os médicos que está cheia.<br />

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