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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Des<strong>de</strong> que <strong>de</strong>sci do céu, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que vi a terra lá <strong>de</strong>ssas alturas, e me<br />

pareceu tão pequena, esfriou em parte o <strong>de</strong>sejo gran<strong>de</strong> que eu tinha <strong>de</strong> ser<br />

governador; porque, digam-me: que gran<strong>de</strong>za é mandar num grão <strong>de</strong> mostarda, ou<br />

que dignida<strong>de</strong> ou que império é governar em meia dúzia <strong>de</strong> homens do tamanho <strong>de</strong><br />

avelãs, que me pareceu que em toda ela não havia mais? Se Vossa Senhoria fosse<br />

servido <strong>de</strong> me dar uma pequena parte do céu, ainda que não fosse <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> meia<br />

légua, tomá-la-ia <strong>de</strong> melhor vonta<strong>de</strong> que a maior ilha do mundo.<br />

— Amigo Sancho — respon<strong>de</strong>u o duque — eu não posso dar a ninguém uma<br />

parte do céu, nem ainda que seja do tamanho <strong>de</strong> uma unha, que só para Deus está<br />

reservado o conce<strong>de</strong>r essas graças e mercês: dou-vos o que vos posso dar, que é<br />

uma ilha bem feita e bem direita, redonda e bem proporcionada, e muito fértil e<br />

abundante, on<strong>de</strong>, se souber<strong>de</strong>s ter manha, po<strong>de</strong>is com as riquezas da terra granjear<br />

as do céu.<br />

— Ora bem — respon<strong>de</strong>u Sancho — venha <strong>de</strong> lá essa ilha, que eu procurarei<br />

ser um governador <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m, que vá direitinho para o céu, apesar <strong>de</strong> todos os<br />

velhacos <strong>de</strong>ste mundo; e isto não é por cobiça que eu tenha, mas porque <strong>de</strong>sejo<br />

provar o que será isto <strong>de</strong> governador.<br />

— Em provando uma vez, Sancho — disse o duque — não haveis <strong>de</strong> querer<br />

outra coisa, porque é realmente agradável mandar e ser obe<strong>de</strong>cido. Com certeza,<br />

quando vosso amo chegar a ser imperador, o que não tardará sem dúvida pelo<br />

modo como vejo que as suas coisas se encaminham, não lhe arrancarão facilmente<br />

o império, e há-<strong>de</strong> sempre lamentar o tempo em que o não teve.<br />

— Senhor — redarguiu Sancho — imagino que é bom mandar, ainda que seja<br />

um rebanho <strong>de</strong> gado.<br />

— Por minha fé, Sancho — respon<strong>de</strong>u o duque — vejo que <strong>de</strong> tudo sabeis, e<br />

espero que sejais um governador <strong>de</strong> mão cheia, e fiquemos por aqui; e lembrai-vos<br />

que amanhã haveis <strong>de</strong> ir para o governo da ilha, e esta tar<strong>de</strong> vos arranjarão o trajo<br />

conveniente que haveis <strong>de</strong> levar, e todas as coisas necessárias para a vossa<br />

partida.<br />

— Vistam-me como quiserem — redarguiu Sancho — que, <strong>de</strong> qualquer modo<br />

que eu for vestido, sempre serei Sancho Pança.<br />

— É verda<strong>de</strong> — tornou o duque — mas os trajos <strong>de</strong>vem acomodar-se ao<br />

ofício e dignida<strong>de</strong> que se professa que não seria bonito que um jurisconsulto se<br />

vestisse como um soldado, nem um soldado como um sacerdote. Vós, Sancho, ireis<br />

vestido, em parte como letrado e em parte como capitão, porque na ilha que vos<br />

dou, tão necessárias são as armas como as letras.<br />

— Letras! — respon<strong>de</strong>u Sancho — poucas tenho, porque até nem sei o a b c;<br />

mas basta-me ter sempre Cristo na memória, para ser bom governador. Enquanto a<br />

armas, hei-<strong>de</strong> manejar as que me <strong>de</strong>rem, até cair ao chão, e Deus me proteja.<br />

— Com tão boa memória — tornou o duque — não po<strong>de</strong>rá Sancho errar em<br />

coisa alguma.<br />

Nisto, chegou D. <strong>Quixote</strong>, e, sabendo o que se passava, e a rapi<strong>de</strong>z com que<br />

Sancho tinha <strong>de</strong> partir para o seu governo, com licença do duque tomou-o pela mão<br />

e levou-o para o seu quarto, com tenção <strong>de</strong> lhe aconselhar o modo como havia <strong>de</strong><br />

proce<strong>de</strong>r nesse ofício. Entrando, pois, no seu aposento, fechou a porta, e obrigou<br />

Sancho a sentar-se ao pé <strong>de</strong>le, e disse-lhe com voz pausada:<br />

— Infinitas graças dou ao céu, Sancho amigo, <strong>de</strong> que antes <strong>de</strong> eu ter topado<br />

alguma boa fortuna, te viesse a receber e encontrar a prosperida<strong>de</strong>; eu, que<br />

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