15.04.2013 Views

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

caterva <strong>de</strong> cavaleiros andantes, que Vossa Mercê, senhor D. <strong>Quixote</strong>, referiu,<br />

tivessem sido real e verda<strong>de</strong>iramente neste mundo pessoas <strong>de</strong> carne e osso; antes<br />

imagino que tudo é ficção, fábula e mentira, e sonhos contados por homens<br />

<strong>de</strong>spertos, ou, para melhor dizer, meio adormecidos.<br />

— Isso é outro erro — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — em que têm caído muitos que<br />

não acreditam que houvesse tais cavaleiros no mundo, e eu muitas vezes, com<br />

diversas gentes e ocasiões, procurei tirar à luz da verda<strong>de</strong> este quase comum<br />

engano; mas algumas vezes não realizei a minha intenção, e outras sim,<br />

sustentando-a nos ombros da verda<strong>de</strong>; verda<strong>de</strong> que é tão certa, que estou em dizer<br />

que vi com meus próprios olhos Amadis <strong>de</strong> Gaula, que era um homem alto <strong>de</strong> corpo,<br />

branco <strong>de</strong> rosto, <strong>de</strong> barba formosa e negra, <strong>de</strong> olhar entre brando e rigoroso, curto<br />

<strong>de</strong> razões, tardio em se irar, e pronto em <strong>de</strong>por a ira; e do modo que eu <strong>de</strong>lineei<br />

Amadis, po<strong>de</strong>ria, penso eu, pintar e <strong>de</strong>screver todos quantos cavaleiros andantes se<br />

encontram nas histórias do orbe, que, pela idéia que tenho, foram como as suas<br />

crônicas narram; e pelas façanhas que praticaram, e condições que tiveram, se<br />

po<strong>de</strong>m tirar por boa filosofia as suas feições, a sua cor e a sua estatura.<br />

— De que tamanho lhe parece a Vossa Mercê, senhor D. <strong>Quixote</strong>, que seria o<br />

gigante Morgante?<br />

— Nisto <strong>de</strong> gigantes — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — há diferentes opiniões: se os<br />

tem havido ou não no mundo; mas a Escritura Santa, que não po<strong>de</strong> faltar, nem num<br />

átomo, à verda<strong>de</strong>, mostra-nos que os houve, falando-nos naquele filisteu <strong>de</strong> Golias,<br />

que tinha sete côvados e meio <strong>de</strong> altura, o que é uma gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong>smarcada.<br />

Também na ilha <strong>de</strong> Sicília se têm encontrado canelas e espáduas tamanhas, que a<br />

sua gran<strong>de</strong>za manifesta que foram gigantes os seus possuidores, e do tamanho <strong>de</strong><br />

altíssimas torres; que a geometria tira esta verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda a dúvida. Mas, com tudo<br />

isso, não saberei dizer com certeza o tamanho que teria Morgante, ainda que<br />

imagino que não <strong>de</strong>via <strong>de</strong> ser muito alto; e move-me a ser <strong>de</strong>sta opinião encontrar<br />

na história, on<strong>de</strong> se faz menção especial das suas façanhas, que muitas vezes<br />

dormia <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> telha; e, logo que encontrava casa on<strong>de</strong> coubesse, claro está que<br />

não era <strong>de</strong>smesurada a sua gran<strong>de</strong>za.<br />

— Assim é — disse o cura, que, gostando <strong>de</strong> lhe ouvir dizer tamanhos<br />

disparates, lhe perguntou o que pensava dos rostos <strong>de</strong> Reinaldo <strong>de</strong> Montalvão e <strong>de</strong><br />

D. Roldão, e dos outros doze Pares <strong>de</strong> França, pois todos tinham sido cavaleiros<br />

andantes.<br />

— De Reinaldo — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — atrevo-me a dizer que era <strong>de</strong> cara<br />

larga, cor vermelha, olhos bailadores e um pouco esbugalhados, rixoso e colérico<br />

em <strong>de</strong>masia, amigo <strong>de</strong> ladrões e <strong>de</strong> gente perdida. De Roldão, ou Rotolando, ou<br />

Orlando (que com todos estes nomes o <strong>de</strong>signam as histórias), sou <strong>de</strong> parecer, e<br />

afirmo, que foi <strong>de</strong> mediana estatura, largo <strong>de</strong> ombros, moreno <strong>de</strong> rosto e barbirruivo,<br />

cabeludo no corpo, e <strong>de</strong> vista ameaçadora, curto <strong>de</strong> razões, mas muito comedido e<br />

bem-criado.<br />

— Se não foi Roldão mais gentil homem do que Vossa Mercê diz — redarguiu<br />

o cura — não maravilha que a formosa Angélica o <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhasse, trocando-o pela<br />

gala, donaire e brio que <strong>de</strong>via <strong>de</strong> ter o mourinho imberbe a quem se entregou, e<br />

proce<strong>de</strong>u discretamente afagando antes a brandura <strong>de</strong> Medoro, do que a aspereza<br />

<strong>de</strong> Roldão.<br />

— Essa Angélica — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — foi uma donzela distraída,<br />

vagabunda, e um tanto caprichosa, que <strong>de</strong>ixou o mundo tão cheio das suas<br />

levianda<strong>de</strong>s como da sua formosura. Desprezou mil senhores, mil valentes e mil<br />

discretos, e contentou-se com um pajenzito louro, sem mais fazenda e nome do que<br />

319

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!