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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

servindo-me da minha, em igual batalha com Vossa Mercê, <strong>de</strong> quem se <strong>de</strong>viam<br />

esperar antes bons conselhos do que infames vitupérios. As repreensões santas e<br />

bem intencionadas requerem outras circunstâncias e pe<strong>de</strong>m outros assuntos; pelo<br />

menos, o repreen<strong>de</strong>r-me em público e tão asperamente, exce<strong>de</strong>u todos os limites da<br />

censura cordata; porque às primeiras cabe melhor a brandura do que a aspereza;<br />

não me parece bem que, sem ter conhecimento do pecado que se repreen<strong>de</strong>, se<br />

chame ao pecador, sem mais nem mais, mentecapto e tonto. Senão, diga-me Vossa<br />

Mercê: que tonteria viu em mim, para me con<strong>de</strong>nar e vituperar, e mandar-me que vá<br />

para minha casa tomar conta do seu governo, e <strong>de</strong> minha mulher e <strong>de</strong> meus filhos,<br />

sem saber se tenho filhos e mulher? Então não é mais senão entrar a trouxe-mouxe<br />

pelas casas alheias a governar os donos <strong>de</strong>las, e, tendo-se criado alguns dos que<br />

isso fazem na estreiteza dum seminário, sem terem visto mais mundo do que o que<br />

po<strong>de</strong> encerrar-se em vinte ou trinta léguas <strong>de</strong> comarca, meterem-se <strong>de</strong> rondão a dar<br />

leis à cavalaria e a julgar os cavaleiros andantes? Porventura é assunto vão, ou é<br />

tempo <strong>de</strong>sperdiçado o que se gasta em vaguear pelo mundo, não procurando os<br />

seus regalos, mas sim as asperezas por on<strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>m os bons à se<strong>de</strong> da<br />

imortalida<strong>de</strong>? Se me tivessem por tonto os cavaleiros, os magníficos, os generosos,<br />

os <strong>de</strong> alto nascimento, consi<strong>de</strong>rá-lo-ia eu afronta irreparável; mas que me tenham<br />

por san<strong>de</strong>u os estudantes, que nunca pisaram a senda da cavalaria, pouco me<br />

importa; cavaleiro sou e cavaleiro hei-<strong>de</strong> morrer, se aprouver ao Altíssimo: uns<br />

seguem o largo campo da ambição soberba, outros o da adulação servil e baixa,<br />

outros o da hipocrisia enganosa, e alguns o da verda<strong>de</strong>ira religião; mas eu, guiado<br />

pela minha estrela, sigo a apertada vereda da cavalaria andante, por cujo exercício<br />

<strong>de</strong>sprezo a fazenda, mas não a honra. Tenho satisfeito agravos, castigado<br />

insolências, vencido gigantes e atropelado vampiros: sou enamorado, só porque é<br />

forçoso que o sejam os cavaleiros andantes, e, sendo-o, não pertenço ao número<br />

dos viciosos, mas sim ao dos platônicos e continentes. As minhas intenções sempre<br />

as dirijo para bons fins, que são fazer bem a todos e mal a ninguém. Se quem isto<br />

enten<strong>de</strong>, se quem isto pratica, se quem disto trata, merece ser chamado bobo,<br />

digam-no vossas gran<strong>de</strong>zas, duque e duquesa excelentes.<br />

— Bem; pelo Deus vivo — acudiu Sancho — não diga mais vossa Mercê,<br />

senhor meu amo, em seu abono, porque não há mais que dizer, nem mais que<br />

pensar, nem mais que insistir; visto que este senhor nega que tenha havido ou haja<br />

no mundo cavaleiros andantes, não admira que não saiba nenhuma das coisas que<br />

Vossa Mercê disse.<br />

— Porventura — acudiu o eclesiástico — sois vós, irmão, aquele Sancho<br />

Pança, a quem vosso amo prometeu uma ilha?<br />

— Sou eu mesmo — respon<strong>de</strong>u Sancho — e sou também quem a merece<br />

tanto como outro qualquer; sou aquele <strong>de</strong> quem se po<strong>de</strong> dizer: chega-te para os<br />

bons, serás um <strong>de</strong>les; e chega-te para boa árvore, boa sombra terás: arrimei-me a<br />

bom senhor, e há muitos meses que ando em boa companhia, e hei-<strong>de</strong> ser outro<br />

como ele, querendo Deus; e viva ele, e viva eu, que nem a ele lhe faltarão impérios<br />

que mandar, nem a mim ilhas que governar.<br />

— Não, <strong>de</strong>certo, Sancho amigo — acudiu o duque — que eu, em nome do<br />

senhor D. <strong>Quixote</strong>, vos confiro o governo duma que tenho agora vaga.<br />

— Ajoelha, Sancho — bradou D. <strong>Quixote</strong> — e beija os pés <strong>de</strong> Sua Excelência,<br />

pela mercê que te fez.<br />

Obe<strong>de</strong>ceu Sancho; e, vendo isto o eclesiástico, levantou-se da mesa, muito<br />

enfadado, dizendo:<br />

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