15.04.2013 Views

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

namorei, nem <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhei na minha vida. Não sei, nem posso imaginar que a saú<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Altisidora, donzela mais caprichosa que discreta, tenha que ver, como já disse,<br />

com os martírios <strong>de</strong> Sancho Pança. Agora é que chego a conhecer, clara e<br />

distintamente, que há nigromantes e encantamentos no mundo, nigromantes <strong>de</strong> que<br />

peço a Deus que me livre, porque eu não me sei livrar; com tudo isso, peço a Vossa<br />

Mercê que me <strong>de</strong>ixe dormir, e que não me pergunte mais nada, se não quer que me<br />

<strong>de</strong>ite daquela janela abaixo.<br />

— Dorme, Sancho amigo — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — se to permitem as<br />

bofetadas, os beliscões e as picadas <strong>de</strong> alfinetes.<br />

— Nenhuma dor chegou à afronta das bofetadas, e não foi por outra coisa,<br />

senão por me serem dadas por mãos <strong>de</strong> donas, que sumidas sejam elas nas<br />

profundas dos infernos; e torno a suplicar a Vossa Mercê que me <strong>de</strong>ixe dormir,<br />

porque o sono é alívio das misérias daqueles que as têm quando estão acordados.<br />

— Seja assim — disse D. <strong>Quixote</strong> — e Deus te acompanhe! Adormeceram<br />

ambos, e Cid Hamete aproveita a ocasião para contar o que foi que levou os duques<br />

a levantar o edifício da referida máquina, e diz que, não se tendo esquecido o<br />

bacharel Sansão Carrasco da <strong>de</strong>rrota do cavaleiro dos Espelhos, <strong>de</strong>rribado por D.<br />

<strong>Quixote</strong>, <strong>de</strong>rrota e queda que apagou e <strong>de</strong>sfez todos os seus <strong>de</strong>sígnios, quis outra<br />

vez provar a mão, esperando êxito melhor; e assim, sabendo do pajem, que levou a<br />

carta e o presente a Teresa Pança, mulher <strong>de</strong> Sancho, on<strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong> ficava,<br />

procurou novas armas e novo cavalo, e pôs no escudo a branca lua, levando tudo<br />

em cima <strong>de</strong> um macho, guiado por um lavrador, e não por Tomé Cecial, para que<br />

nem Sancho, nem D. <strong>Quixote</strong> o conhecesse. Chegou, pois, ao castelo do duque,<br />

que o informou do caminho e da <strong>de</strong>rrota que D. <strong>Quixote</strong> levava, com intento <strong>de</strong> se<br />

achar nas justas <strong>de</strong> Saragoça. Disse-lhe também as burlas que lhe fizera, com a<br />

traça do <strong>de</strong>sencantamento <strong>de</strong> Dulcinéia, que havia <strong>de</strong> ser à custa das pousa<strong>de</strong>iras<br />

<strong>de</strong> Sancho. Enfim, contou-lhe a peta que Sancho pregara a seu amo, fazendo-lhe<br />

acreditar que Dulcinéia estava encantada e transformada em lavra<strong>de</strong>ira, e como a<br />

duquesa sua mulher fizera crer a Sancho que era ele quem se enganava, porque<br />

Dulcinéia estava encantada verda<strong>de</strong>iramente; e não pouco se riu e admirou o<br />

bacharel da agu<strong>de</strong>za e simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sancho e da extrema loucura <strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong>.<br />

Pediu-lhe o duque que, se o encontrasse, quer o vencesse quer não, voltasse por ali<br />

a dar-lhe conta do sucedido. Assim fez o bacharel; partiu em sua procura, não o<br />

encontrou em Saragoça, passou adiante e suce<strong>de</strong>u-lhe o que fica referido. Tornou<br />

pelo castelo do duque, e tudo contou, sem esquecer as condições da batalha, e que<br />

D. <strong>Quixote</strong> voltava a cumprir, como bom cavaleiro andante, a palavra <strong>de</strong> se retirar<br />

por um ano para a sua al<strong>de</strong>ia: e nesse tempo podia ser, disse o bacharel, que<br />

sarasse da sua loucura, que era esta a intenção que o movera a fazer aquelas<br />

transformações, por ser coisa <strong>de</strong> lástima, que um fidalgo <strong>de</strong> tão bom entendimento<br />

como D. <strong>Quixote</strong> estivesse doido. Com isto se <strong>de</strong>spediu do duque e tornou para a<br />

sua terra, para ir esperar D. <strong>Quixote</strong>, que vinha atrás <strong>de</strong>le. Aproveitou a ocasião o<br />

duque para lhe fazer aquela nova caçoada — tanto o divertiam D. <strong>Quixote</strong> e Sancho;<br />

e mandou tomar os caminhos, por todos os lados por on<strong>de</strong> imaginou que po<strong>de</strong>ria<br />

voltar D. <strong>Quixote</strong>, com muitos criados seus, <strong>de</strong> pé e <strong>de</strong> cavalo, para que, por força<br />

ou por vonta<strong>de</strong>, o levassem ao castelo, se o encontrassem; encontraram-no,<br />

avisaram o duque, que, já prevenido <strong>de</strong> tudo o que havia <strong>de</strong> fazer, assim que teve<br />

notícia da chegada do cavaleiro, mandou acen<strong>de</strong>r os fachos e as luminárias do pátio<br />

e pôr Altisidora sobre o túmulo, com todos os aparatos que se contaram, tanto ao<br />

vivo e tão bem feitos que, entre eles e a verda<strong>de</strong>, havia bem pouca diferença; e diz<br />

mais Cid Hamete que tão doidos lhe parecem os burladores como os burlados, e<br />

614

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!