15.04.2013 Views

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

Um <strong>de</strong>sembolsou o dinheiro, recebeu-o o outro e saiu da ilha: o primeiro foi<br />

para sua casa e o governador ficou dizendo:<br />

— Ou eu pouco hei-<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, eu hei-<strong>de</strong> acabar com estas casas <strong>de</strong> jogo, que<br />

me parece que são muito prejudiciais.<br />

— Com esta, pelo menos, não po<strong>de</strong>rá Vossa Mercê acabar — observou um<br />

escrivão — porque pertence a um alto personagem, e não tem comparação o que<br />

ele per<strong>de</strong> por ano com o que tira dos naipes; contra outras espeluncas <strong>de</strong> menor<br />

tomo po<strong>de</strong>rá Vossa Mercê mostrar o seu po<strong>de</strong>r, que são as que mais dano fazem e<br />

as que mais insolências encobrem, que em casa <strong>de</strong> senhores e <strong>de</strong> cavalheiros<br />

principais não se atrevem os trapaceiros a usar das suas tretas; e, como o vício do<br />

jogo se transformou em passatempo vulgar, melhor é que se jogue em casas nobres<br />

do que em casa <strong>de</strong> algum pobre oficial <strong>de</strong> ofício, on<strong>de</strong> apanham um <strong>de</strong>sgraçado da<br />

meia-noite em diante e o esfolam vivo.<br />

— Bem sei, escrivão — acudiu Sancho — que a isso há muito que dizer.<br />

Nisto apareceu um aguazil, que trazia um moço agarrado e bem seguro à presença<br />

<strong>de</strong> Sancho Pança.<br />

— Senhor governador — disse ele — este rapazola vinha direito a nós e,<br />

assim que pescou que era a justiça, voltou as costas e <strong>de</strong>itou a correr como um<br />

gamo, sinal <strong>de</strong> que é algum <strong>de</strong>linqüente; corri atrás <strong>de</strong>le, mas, se ele não tropeçasse<br />

e caísse, não era eu que o apanhava.<br />

— Por que fugias, homem? — perguntou Sancho.<br />

— Senhor, foi para me livrar <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r às muitas perguntas que as<br />

justiças fazem — respon<strong>de</strong>u o moço.<br />

— Que ofício tens?<br />

— Tecelão.<br />

— E o que teces?<br />

— Ferros <strong>de</strong> lanças, com licença <strong>de</strong> Vossa Mercê.<br />

— Saís-me gracioso e presumis <strong>de</strong> chocarreiro? Está bom: e aon<strong>de</strong> íeis<br />

agora?<br />

— Já tomar ar.<br />

— E nesta ilha, on<strong>de</strong> é que se toma ar?<br />

— On<strong>de</strong> ele sopra.<br />

— Bom! — respon<strong>de</strong>is muito a propósito e sois discreto; mas fazei <strong>de</strong> conta<br />

que eu sou o ar, que vos sopro pela popa e vos encaminho à ca<strong>de</strong>ia. Olá! Agarrai-o,<br />

e levai-o, que eu o farei dormir sem ar esta noite.<br />

— Por Deus — tornou o moço — tão capaz é Vossa Mercê <strong>de</strong> me fazer<br />

dormir esta noite na ca<strong>de</strong>ia, como <strong>de</strong> me fazer rei.<br />

— E por que é que te não hei-<strong>de</strong> fazer dormir na ca<strong>de</strong>ia? Não tenho po<strong>de</strong>r<br />

para te pren<strong>de</strong>r e soltar, como e quando quiser?<br />

— Por mais po<strong>de</strong>r que Vossa Mercê tenha, não é capaz <strong>de</strong> me fazer dormir<br />

na ca<strong>de</strong>ia — tornou o moço.<br />

— Como não! — replicou Sancho Pança — levai-o já aon<strong>de</strong> veja por seus<br />

olhos o <strong>de</strong>sengano; e, se o alcai<strong>de</strong> o <strong>de</strong>ixar evadir, con<strong>de</strong>ne-o <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já a pagar a<br />

multa <strong>de</strong> dois mil ducados.<br />

— Tudo isso é escusado — redarguiu o moço — nem todos os que hoje estão<br />

vivos na terra são capazes <strong>de</strong> me fazer dormir na ca<strong>de</strong>ia.<br />

— Dize-me, <strong>de</strong>mônio — tornou Sancho — tens algum anjo que te livre e te<br />

tire os grilhões que tenciono mandar-te <strong>de</strong>itar aos pés?<br />

522

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!