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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Vossa Mercê, que a tem nos seus braços, e a regala e amima: que mau sinal é este,<br />

ou que mau agouro se po<strong>de</strong> tirar daqui?<br />

Chegaram-se os dois rapazes da pendência para ver a lebre, e perguntou<br />

Sancho a um <strong>de</strong>les por que é que renhiam.<br />

Respon<strong>de</strong>u-lhe o que dissera as palavras que tinham sobressaltado D.<br />

<strong>Quixote</strong>, que tirara ao outro rapaz uma gaiola <strong>de</strong> grilos, e que não tencionava<br />

<strong>de</strong>volver-lha nos dias da sua vida.<br />

Tirou Sancho quatro quartos da algibeira e comprou a gaiola ao rapaz, para a<br />

dar a D. <strong>Quixote</strong>, dizendo:<br />

— Aqui estão, senhor, rotos e <strong>de</strong>sbaratados esses agouros, que têm tanto<br />

que ver com os nossos sucessos — pelo menos assim mo diz o meu bestunto <strong>de</strong><br />

tolo — como com as nuvens do ano passado; e, se bem me recordo, ouvi dizer ao<br />

cura da nossa terra, que não é <strong>de</strong> pessoas cristãs e discretas aten<strong>de</strong>r a estas<br />

criancices; e até Vossa Mercê mo disse também há tempos, dando-me a enten<strong>de</strong>r<br />

que eram tolos todos os cristãos que faziam caso <strong>de</strong> agouros; mas não vale a pena<br />

fazer finca-pé nestas coisas, e entremos na nossa al<strong>de</strong>ia.<br />

Chegaram os caçadores, pediram a sua lebre, <strong>de</strong>u-lha D. <strong>Quixote</strong>; e,<br />

seguindo para diante este e Sancho Pança, toparam à entrada do povo, a passear<br />

num campo, o cura e o bacharel Sansão Carrasco.<br />

E é <strong>de</strong> saber que Sancho Pança <strong>de</strong>itara para cima do burro e do feixe das<br />

armas, para servir <strong>de</strong> reposteiro, a túnica <strong>de</strong> bocaxim pintada com chamas <strong>de</strong> fogo,<br />

que lhe vestiram no castelo do duque, na noite em que Altisidora tornou a si. Pôs-lhe<br />

também a mitra na cabeça, que foi a mais nova transformação e adorno com que<br />

nunca se viu um jumento neste mundo.<br />

Foram logo conhecidos ambos pelo cura e pelo bacharel, que vieram para<br />

eles <strong>de</strong> braços abertos.<br />

Apeou-se D. <strong>Quixote</strong> e abraçou-os estreitamente; e os rapazes, que são uns<br />

linces nestas coisas, <strong>de</strong>ram logo com a mitra do jumento e acudiram a vê-lo; e<br />

diziam uns para os outros:<br />

— Vin<strong>de</strong> ver, rapazes, o burro <strong>de</strong> Sancho Pança, mais galã do que Mingo, e a<br />

cavalgadura <strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong>, mais magra hoje que no primeiro dia.<br />

Finalmente, ro<strong>de</strong>ados <strong>de</strong> rapazes e acompanhados pelo cura e pelo bacharel,<br />

entraram no povo e dirigiram-se a casa <strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong>, a cuja porta encontraram a<br />

ama e a sobrinha, que já sabiam da sua vinda. Tinham dado também essa notícia a<br />

Teresa Pança, mulher <strong>de</strong> Sancho, que, <strong>de</strong>sgrenhada e seminua, levando pela mão<br />

Sanchita sua filha, veio ver seu marido; e, não o encontrando tão ataviado como ela<br />

imaginava que <strong>de</strong>via vir um governador, disse-lhe:<br />

— Como é que vin<strong>de</strong>s assim, marido meu, que parece que foste apeado, e<br />

trazeis cara mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgovernado, que <strong>de</strong> governador?<br />

— Cala-te, Teresa — respon<strong>de</strong>u Sancho — que, muitas vezes numa banda<br />

se põe o ramo e noutra se ven<strong>de</strong> o vinho; e vamos para nossa casa, que lá ouvirás<br />

maravilhas. Trago dinheiros, que é o que mais importa, ganhos por minha indústria e<br />

sem prejuízo <strong>de</strong> ninguém.<br />

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