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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

ativado o procurador <strong>de</strong> maneira que hoje me veria no meio da praça <strong>de</strong> Zocodovel<br />

<strong>de</strong> Toledo, e não nesta estrada atrelado como galgo; mas Deus é gran<strong>de</strong>; paciência,<br />

e basta.<br />

Passou D. <strong>Quixote</strong> ao quarto, que era um sujeito <strong>de</strong> aspecto venerando, com<br />

uma barba <strong>de</strong> neve que lhe chegava abaixo dos peitos, o qual, perguntado sobre a<br />

causa por que ali ia, começou a chorar, e não respon<strong>de</strong>u palavra; mas o quinto<br />

con<strong>de</strong>nado lhe serviu <strong>de</strong> língua, e disse:<br />

— Este honrado homem vai por quatro anos às galés, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter passeado<br />

pelas ruas do costume, vestido em pompa e a cavalo.<br />

— Vem a dizer na rua, segundo entendo — disse Sancho Pança — que saiu<br />

à vergonha do mundo.<br />

— Assim é — respon<strong>de</strong>u o acorrentado — e o seu crime foi ter sido corretor<br />

<strong>de</strong> orelha, e ainda do corpo todo; quero dizer que este cavalheiro vai por alcaiote, e<br />

também por ter seus laivos <strong>de</strong> feiticeiro.<br />

— Se não fossem esses laivos — disse D. <strong>Quixote</strong> — lá só por ser alcaiote<br />

<strong>de</strong>cente não merecia ir remar nas galés, antes fora mais próprio para as governar e<br />

ser general <strong>de</strong>las, porque o ofício <strong>de</strong> terceiro <strong>de</strong> amores não é coisa tão <strong>de</strong> pouco<br />

mais ou menos; é um modo <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> pessoas discretas, e numa república bem<br />

or<strong>de</strong>nada muito necessário; não o <strong>de</strong>veriam ter senão indivíduos muito bem<br />

nascidos, e até <strong>de</strong>via haver para eles vedor e examinador, como há para os <strong>de</strong>mais<br />

ofícios, com número certo e conhecido, como corretores <strong>de</strong> praça. Desta maneira se<br />

atalhariam muitos males, que hoje resultam <strong>de</strong> andar este ofício e exercício entre<br />

gente idiota e <strong>de</strong> pouco entendimento, como são umas mulherinhas <strong>de</strong> pouco mais<br />

ou menos, pajenzinhos e truões <strong>de</strong> poucos anos e pouquíssima experiência, que,<br />

nas ocasiões mais importantes, e sendo necessário dar alguma traça <strong>de</strong> maior tomo,<br />

dão em seco, e não sabem qual é a sua mão direita. Adiante quisera eu passar,<br />

dando as razões por que se <strong>de</strong>vera fazer eleição dos que na república <strong>de</strong>veriam<br />

exercer tão necessário ofício; mas não é aqui lugar próprio. Algum dia o direi a quem<br />

possa provi<strong>de</strong>nciar; por agora só digo que a pena, que essas honradas cãs e<br />

venerável semblante me têm causado, por vos ver metido em tamanhos trabalhos<br />

por alcaiote, tirou-ma o apenso <strong>de</strong> feiticeiro, ainda que sei muito bem não haver no<br />

mundo feitiços que possam mover e forçar as vonta<strong>de</strong>s, como cuidam alguns<br />

palermas; o alvedrio da pessoa é livre, e não há erva nem encanto que o obrigue. O<br />

que algumas mulherzinhas tolas e alguns velhacos embusteiros costumam fazer,<br />

são certas mistelas e venenos, com que tornam os homens doidos, dando a<br />

enten<strong>de</strong>r que são específicos para bem querer, sendo, como digo, coisa impossível<br />

forçar-se a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ninguém.<br />

— Tudo isso é assim — disse o bom do velho; — verda<strong>de</strong>, senhor meu, culpa<br />

<strong>de</strong> feitiços não a tive; <strong>de</strong> alcaiote sim, e não o posso negar; porém nunca pensei que<br />

nisso fazia mal; o meu empenho era que toda a gente folgasse, e vivesse em paz e<br />

quietação, sem pendências nem penas. Porém <strong>de</strong> nada me serviram estes bons<br />

<strong>de</strong>sejos, para <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> me ir don<strong>de</strong> não espero mais voltar, segundo me carregam<br />

os anos, e um mal <strong>de</strong> urinas que levo, que me não dá instante <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso.<br />

Aqui tornou ao seu pranto do princípio. Teve Sancho tanta compaixão do<br />

triste, que tirou do peito uns cobresitos e lhos <strong>de</strong>u <strong>de</strong> esmola.<br />

Passou adiante D. <strong>Quixote</strong>, e perguntou a outro o seu <strong>de</strong>lito. Este respon<strong>de</strong>u<br />

com muito mais presença <strong>de</strong> espírito que o prece<strong>de</strong>nte:<br />

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