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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Conta-se, pois, que, apenas Sancho partiu, sentiu D. <strong>Quixote</strong> a sua soleda<strong>de</strong>,<br />

e, se lhe fosse possível revogar a nomeação <strong>de</strong> Sancho, e tirar-lhe o governo, fá-loia<br />

sem a menor hesitação.<br />

Percebeu a duquesa a sua melancolia e perguntou-lhe por que motivo estava<br />

triste: que se era pela ausência <strong>de</strong> Sancho, havia em sua casa escu<strong>de</strong>iros, donas e<br />

donzelas com fartura, que o serviriam muito a seu sabor.<br />

— É certo, senhora minha — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — que sinto a ausência<br />

<strong>de</strong> Sancho, mas não é essa a causa principal que por agora me entristece; e dos<br />

muitos oferecimentos que Vossa Excelência me fez, só aceito e agra<strong>de</strong>ço o da boa<br />

vonta<strong>de</strong>, e no mais peço a Vossa Excelência que <strong>de</strong>ntro do meu aposento consinta<br />

e permita que eu só me sirva a mim próprio.<br />

— Isso não po<strong>de</strong> ser assim, senhor D. <strong>Quixote</strong> — respon<strong>de</strong>u a duquesa; — é<br />

forçoso que o sirvam quatro das minhas donzelas, lindas como umas flores.<br />

— Para mim — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — não seriam flores, mas espinhos que<br />

me pungiriam a alma. Não entram no meu aposento nem mulheres nem coisa que o<br />

pareça, se Vossa Excelência não mandar o contrário. Deixe-me levantar uma<br />

muralha entre a minha honestida<strong>de</strong> e os meus <strong>de</strong>sejos, e não quero per<strong>de</strong>r este<br />

costume, pela liberalida<strong>de</strong> com que Vossa Alteza preten<strong>de</strong> honrar-me e favorecerme.<br />

Enfim, prefiro dormir vestido, a consentir que alguém me dispa.<br />

— Basta! Basta! Senhor D. <strong>Quixote</strong> — acudiu a duquesa — por minha vida<br />

que darei as mais apertadas or<strong>de</strong>ns para que não entre no seu quarto nem uma<br />

mosca sequer. Por minha culpa não há-<strong>de</strong> ter nem o mais leve <strong>de</strong>trimento a<br />

<strong>de</strong>cência do senhor D. <strong>Quixote</strong>, que, segundo me dizem, a virtu<strong>de</strong> que mais campeia<br />

entre as muitas que o ornam é a da castida<strong>de</strong>. Dispa-se Vossa Mercê, e vista-se<br />

sozinho e à sua vonta<strong>de</strong>, como e quando quiser, que não haverá quem lho impeça,<br />

porque <strong>de</strong>ntro do seu aposento achará tudo o que lhe po<strong>de</strong> ser preciso, e que<br />

dispense <strong>de</strong> abrir a porta, quando lá estiver. Viva mil séculos a gran<strong>de</strong> Dulcinéia <strong>de</strong>l<br />

Toboso, e espalhe-se o seu nome por toda a redon<strong>de</strong>za do globo, pois mereceu ser<br />

amada por tão valente e casto cavaleiro! e os benignos céus infundam no coração<br />

<strong>de</strong> Sancho Pança, do nosso governador, um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> acabar <strong>de</strong>pressa com os<br />

seus açoites, para que o mundo torne a <strong>de</strong>sfrutar a formosura <strong>de</strong> tão excelsa<br />

senhora.<br />

— Vossa Alteza — disse D. <strong>Quixote</strong> — falou como quem é, que em boca das<br />

boas senhoras não há senhora má, e mais venturosa e mais conhecida será<br />

Dulcinéia no mundo por vossa gran<strong>de</strong>za a ter louvado, do que por todos os louvores<br />

que lhe possam dar os mais eloqüentes escritores do mundo.<br />

— Ora bem, senhor D. <strong>Quixote</strong> — redarguiu a duquesa — aproxima-se a hora<br />

<strong>de</strong> cear, e o duque <strong>de</strong>ve estar à espera: venha Vossa Mercê e ceemos, e <strong>de</strong>ite-se<br />

cedo, que a viagem <strong>de</strong> Candaia que ontem fez não foi tão curta que o não moesse.<br />

— Não sinto cansaço, senhora — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — porque ousarei<br />

jurar a Vossa Excelência que nunca montei num cavalo mais suave e <strong>de</strong> melhor<br />

andadura que Clavilenho, e não sei o que foi que levou Malambruno a <strong>de</strong>sfazer-se<br />

<strong>de</strong> tão ligeira e tão gentil cavalgadura, abrasando-a assim sem mais nem mais.<br />

— O que se po<strong>de</strong> imaginar é que, arrependido do mal que fizera à Trifaldi e<br />

companhia, e das malda<strong>de</strong>s que, como feiticeiro e nigromante, <strong>de</strong>via <strong>de</strong> ter<br />

cometido, quis dar cabo <strong>de</strong> todos os instrumentos do seu ofício; e como o principal e<br />

o que mais <strong>de</strong>sassossegado o trazia, vagando <strong>de</strong> terra em terra, era Clavilenho,<br />

incendiou-o, e com as suas abrasadas cinzas e com o troféu do cartel fica eternizado<br />

o valor do gran<strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong> <strong>de</strong> la <strong>Mancha</strong>.<br />

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