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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

parece é que ela, para on<strong>de</strong> quer que vai, vai contra sua vonta<strong>de</strong>, e, segundo o seu<br />

vestido o dá a enten<strong>de</strong>r, ela ou é freira, ou vai para o ser, que é o mais certo; e<br />

talvez por não ser do seu gosto a vida claustral, vai triste como parece.<br />

— Tudo po<strong>de</strong> ser — disse então o cura.<br />

E <strong>de</strong>ixando-os, voltou outra vez para on<strong>de</strong> estava Dorotéia. Esta, por ter<br />

ouvido os suspiros da mulher mascarada, movida da compaixão natural, se chegou<br />

a ela, e lhe disse:<br />

— Que incômodo ten<strong>de</strong>s, minha senhora? Se por acaso é algum daqueles<br />

que as mulheres costumam e po<strong>de</strong>m curar, por terem disso uso e experiência, cre<strong>de</strong><br />

que com a melhor vonta<strong>de</strong> me ofereço para o vosso serviço.<br />

A quanto Dorotéia disse não respon<strong>de</strong>u palavra a aflita senhora, e bem que<br />

por mais <strong>de</strong> uma vez repetisse aquela os seus oferecimentos, esta contudo se<br />

conservava sempre silenciosa, até que, chegando um dos cavaleiros mascarados<br />

(que era o mesmo a quem disse o criado que os outros obe<strong>de</strong>ciam), disse a<br />

Dorotéia:<br />

— Não vos canseis, senhora, em oferecer coisa alguma a essa mulher,<br />

porque o seu costume é não agra<strong>de</strong>cer jamais qualquer obséquio que se lhe faça;<br />

nem queirais que vos responda, se não quereis que vos diga alguma mentira.<br />

— Nunca a disse — exclamou neste momento a que até ali se conservara<br />

calada — antes, por ser tão verda<strong>de</strong>ira e nunca usar <strong>de</strong> enredos mentirosos, me<br />

vejo agora em tamanha <strong>de</strong>sventura, e disto quero eu que vós próprio <strong>de</strong>is o<br />

testemunho, pois é a minha verda<strong>de</strong> pura quem vos torna falso e mentiroso.<br />

Estas palavras da senhora, Cardênio as ouviu clara e distintamente, porque<br />

estava tão junto <strong>de</strong> quem as proferia, que somente os separava a porta do aposento<br />

<strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong>, e apenas as ouviu, soltando uma gran<strong>de</strong> voz, disse:<br />

— Deus me valha, que é isto que eu escuto? Que voz é esta que me acaba<br />

<strong>de</strong> soar aos ouvidos?<br />

A estes brados a senhora, que estava assentada na ca<strong>de</strong>ira, muito<br />

sobressaltada, e não vendo quem os dava, se levantou em pé e procurou entrar no<br />

aposento: o que visto pelo cavaleiro, a <strong>de</strong>teve, sem <strong>de</strong>ixá-la mover um passo.<br />

Com a repentina perturbação que lhe sobreveio neste momento, quando se<br />

levantou da ca<strong>de</strong>ira, à senhora lhe caiu do rosto o véu com que o encobria,<br />

aparecendo este aos olhos dos circunstantes um verda<strong>de</strong>iro milagre <strong>de</strong> rara<br />

formosura, ainda que sem cor alguma e como assombrado, e andava com os olhos<br />

num continuado movimento perscrutando com gran<strong>de</strong> afinco todos os lugares, que<br />

com a vista alcançava, e isto <strong>de</strong> tal modo, que parecia estar fora do seu bom senso,<br />

sinais estes que causaram muita pena em Dorotéia e em todos quantos<br />

presenciavam este acontecimento. Tinha-a o cavaleiro segura pelos ombros e por<br />

estar todo ocupado em segurá-la, não pô<strong>de</strong> acudir à máscara que lhe caía como<br />

efetivamente lhe caiu; e olhando Dorotéia para ele, a qual tinha abraçado a senhora,<br />

conheceu que era o seu esposo D. Fernando. Apenas o conheceu, quando, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> dar um longo e tristíssimo gemido, ia a cair <strong>de</strong>smaiada, e <strong>de</strong>certo jazeria no chão<br />

naquele instante se junto a ela se não achasse o barbeiro, que a sustentou nos<br />

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