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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Deus queira! — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — e o céu te inspire o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

cumprires a obrigação que tens <strong>de</strong> auxiliar a minha senhora, que é senhora tua<br />

também, logo que tu és meu servo.<br />

Nestas práticas iam seguindo o seu caminho, quando chegaram ao mesmo<br />

sítio em que foram atropelados pelos touros. Reconheceu-o D. <strong>Quixote</strong> e disse a<br />

Sancho:<br />

— É este o prado em que topamos as bizarras pastoras e galhardos pastores,<br />

que aqui queriam imitar e renovar a pastoril Arcádia — pensamento novo e discreto,<br />

a cuja imitação, se isso te agrada, quereria eu, Sancho, que nos convertêssemos em<br />

pastores, pelo menos durante o tempo em que eu tiver <strong>de</strong> estar recolhido. Comprarei<br />

algumas ovelhas e tudo o mais que é necessário para o exercício pastoril; e,<br />

chamando-me eu o pastor Quixotiz, e tu o pastor Pancino, andaremos por montes,<br />

selvas e prados, cantando ali, recitando en<strong>de</strong>chas acolá, bebendo os límpidos<br />

cristais, ou das fontes, ou dos regatos, ou dos rios caudalosos. Dar-nos-ão, com<br />

mão abundantíssima, o seu dulcíssirno fruto as altas carvalheiras, assento os<br />

troncos dos duríssimos sobreiros, os salgueiros sombra, aroma as rosas, alfombra<br />

matizada <strong>de</strong> mil cores os extensos prados, o ar o seu puro e claro bafejo, luz as<br />

estrelas, e a lua, rompendo a escurida<strong>de</strong> da noite, suave prazer o canto, alegria o<br />

choro, versos Apolo, e o Amor conceitos, com que po<strong>de</strong>remos eternizar a nossa<br />

fama, não só nos presentes, mas também nos porvindouros séculos.<br />

— Por Deus! — disse Sancho — quadra-me esse gênero <strong>de</strong> vida, tanto mais<br />

que nunca se lembraram disso, nem o bacharel Sansão Carrasco, nem o barbeiro<br />

mestre Nicolau, e talvez a queiram seguir e fazer-se pastores conosco; e praza a<br />

Deus que o cura não tenha vonta<strong>de</strong> também <strong>de</strong> entrar no aprisco, já que tanto gosta<br />

<strong>de</strong> se divertir.<br />

— Disseste muito bem — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — e o bacharel Sansão<br />

Carrasco, se entrar no grêmio pastoril, po<strong>de</strong>rá chamar-se o pastor Sansonino, ou o<br />

pastor Carrascão; o barbeiro Nicolau chamar-se-á Nicoloso, como o antigo Boscan<br />

se chamou Nemoroso; ao cura é que não sei que nome lhe havemos <strong>de</strong> pôr, a não<br />

ser algum que <strong>de</strong>rive <strong>de</strong> cura: por exemplo — o pastor Curiambro. Às pastoras,<br />

nossas enamoradas, é fácil escolher os nomes; e, como o da minha dama tanto<br />

quadra a uma princesa como a uma zagala, não preciso <strong>de</strong> me cansar a procurar<br />

outro que melhor lhe caiba: tu, Sancho, lá porás à tua o que quiseres.<br />

— Não tenciono — respon<strong>de</strong>u Sancho — pôr-lhe nome diferente do <strong>de</strong><br />

Teresona, que fica bem à sua gordura e ao nome próprio que tem, pois se chama<br />

Teresa; tanto mais que, celebrando-a eu nos meus versos, revelo os meus castos<br />

<strong>de</strong>sejos, porque não ando a meter a foice em seara alheia. O cura é que não <strong>de</strong>ve<br />

ter pastora, para dar bom exemplo; e, se o bacharel a quiser ter, sua alma, sua<br />

palma.<br />

— Valha-me Deus! — disse D. <strong>Quixote</strong> — que vida que nós vamos passar,<br />

Sancho amigo! Que <strong>de</strong> charamelas ressoarão aos nossos ouvidos! Que gaitas <strong>de</strong><br />

Samora, que tamboris, que rabecas e que violas! e, se entre estes diversos<br />

instrumentos se ouvirem também as albogas, juntar-se-ão quase todos os<br />

instrumentos bucólicos!<br />

— Que são albogas? — perguntou Sancho — nunca as vi, nem nunca ouvi<br />

falar nelas.<br />

— Albogas são — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — umas placas que, batendo uma<br />

na outra, dão um som, não muito harmonioso talvez, mas que não <strong>de</strong>sagrada e se<br />

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