15.04.2013 Views

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

O mestre-sala respon<strong>de</strong>u que em tudo seria servido o senhor Sancho, e<br />

levou-o consigo para jantar, ficando à mesa os duques e D. <strong>Quixote</strong>, falando em<br />

muitas e diversas coisas, mas todas tocantes ao exercício das armas e da cavalaria<br />

andante. A duquesa pediu a D. <strong>Quixote</strong> que lhe <strong>de</strong>lineasse e <strong>de</strong>screvesse, pois que<br />

parecia ter feliz memória, a formosura e as feições da senhora Dulcinéia <strong>de</strong>l Toboso,<br />

que, pelo que a fama apregoava da sua beleza, <strong>de</strong>via <strong>de</strong> ser a mais linda criatura do<br />

mundo e <strong>de</strong> toda a <strong>Mancha</strong>.<br />

Suspirou D. <strong>Quixote</strong>, ouvindo as or<strong>de</strong>ns da duquesa, e disse:<br />

— Se eu pu<strong>de</strong>sse arrancar o meu coração, e pô-lo diante dos olhos <strong>de</strong> Vossa<br />

Excelência, aqui, em cima <strong>de</strong>sta mesa, e num prato, tiraria à minha língua o trabalho<br />

<strong>de</strong> dizer o que apenas se po<strong>de</strong> pensar, porque Vossa Excelência a veria nele toda<br />

retratada; mas, para que me hei-<strong>de</strong> pôr eu agora a <strong>de</strong>linear e a <strong>de</strong>scobrir, ponto por<br />

ponto, a formosura da incomparável Dulcinéia, sendo isso carga digna <strong>de</strong> outros<br />

ombros e não dos meus, empresa em que se <strong>de</strong>viam ocupar os pincéis <strong>de</strong> Parrásio,<br />

<strong>de</strong> Timantes e <strong>de</strong> Apeles, e os buris <strong>de</strong> Lísipo, para a pintar e esculpir em ma<strong>de</strong>ira,<br />

mármore ou bronze, e a retórica cicerônica e <strong>de</strong>mostênica para a louvar?<br />

— Pois sim, mas, apesar <strong>de</strong> tudo isso, gran<strong>de</strong> gosto nos daria o senhor D.<br />

<strong>Quixote</strong> — acudiu o duque — se no-la pintasse, que <strong>de</strong>certo que, ainda que seja em<br />

rascunho e em bosquejo, há-<strong>de</strong> sair tal, que fará inveja às mais formosas.<br />

— Decerto vos obe<strong>de</strong>ceria — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — se ma não tivesse<br />

apagado da idéia a <strong>de</strong>sgraça que há pouco lhe suce<strong>de</strong>u, que estou mais para chorála,<br />

do que para <strong>de</strong>screvê-la; porque hão-<strong>de</strong> saber vossas gran<strong>de</strong>zas que, indo eu, há<br />

dias, beijar-lhe as mãos e receber a sua bênção, beneplácito e licença para esta<br />

saída, achei-a outra, muito diferente da que procurava; achei-a encantada e<br />

convertida <strong>de</strong> princesa em lavra<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong> formosa em feia, <strong>de</strong> anjo em diabo, <strong>de</strong><br />

aromática em pestífera, <strong>de</strong> bem falante em rústica, <strong>de</strong> comedida em travessa, <strong>de</strong> luz<br />

em trevas, e finalmente <strong>de</strong> Dulcinéia <strong>de</strong>l Toboso numa vilã <strong>de</strong> Sayago.<br />

— Valha-me Deus! — bradou o duque — quem foi que fez tamanho mal ao<br />

mundo? quem lhe tirou a beleza que o alegrava, o donaire que o enlevava e a<br />

honestida<strong>de</strong> que o honrava?<br />

— Quem? — tornou D. <strong>Quixote</strong> — pois quem po<strong>de</strong> ser senão algum maligno<br />

nigromante, dos muitos invejosos que me perseguem? Raça maldita, nascida no<br />

mundo para escurecer e aniquilar as façanhas dos bons, e para dar luz e gran<strong>de</strong>za<br />

aos feitos dos maus! Têm-me perseguido nigromantes, nigromantes me perseguem,<br />

nigromantes me perseguirão, até darem comigo e com as minhas altas cavalarias no<br />

profundo abismo do olvido; e molestam-me e ferem-me naquilo em que vêem que<br />

mais o sinto; porque, tirar a um cavaleiro andante a sua dama, é tirar-lhe os olhos<br />

com que vê e o sol com que se alumia e o alimento com que se sustenta. Muitas<br />

vezes o tenho dito e agora torno-o a dizer, que um cavaleiro andante sem dama é<br />

como a árvore sem folhas, o edifício sem cimento e a sombra sem corpo que a<br />

produza.<br />

— Não há mais que dizer — tornou a duquesa — mas, com tudo isso,<br />

havemos <strong>de</strong> dar crédito à história do senhor D. <strong>Quixote</strong>, que há dias saiu à luz do<br />

mundo, com geral aplauso das gentes; e <strong>de</strong>la se colige, se bem me lembro, que<br />

nunca Vossa Mercê viu a senhora Dulcinéia; e que esta senhora não existe no<br />

mundo, mas é dama fantástica, que Vossa Mercê gerou no seu entendimento,<br />

pintando-a com todas as graças e perfeições que muito bem quis.<br />

— A isso há muito que dizer — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong>; — Deus sabe se há ou<br />

se não há Dulcinéia no mundo, ou se é fantástica ou não; nem são coisas estas,<br />

453

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!