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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

cabresto do jumento <strong>de</strong> Sancho Pança, e com muita presteza volveu a tempo que D.<br />

<strong>Quixote</strong> se pusera em pé sobre a sela <strong>de</strong> Rocinante para chegar à janela gra<strong>de</strong>ada,<br />

on<strong>de</strong> imaginava estar a perdida donzela; e, ao dar-lhe a mão, dizia:<br />

— Tomai, senhora, essa mão, ou, para melhor dizer, esse verdugo dos<br />

malfeitores do mundo; tomai, senhora, essa mão, em que não tocou mão <strong>de</strong> mulher<br />

alguma, nem a daquela que tem inteira posse <strong>de</strong> todo o meu corpo. Não vo-la dou<br />

para que a beijeis, mas para que lhe mireis a contextura dos nervos, a travação dos<br />

músculos, a grossura e espaçado das suas veias, por on<strong>de</strong> vereis que tal será a<br />

força do braço que uma tal mão possui.<br />

— Agora o veremos — disse Maritornes.<br />

E dando uma laçada numa das pontas do cabresto, <strong>de</strong>itou-lho ao pulso, e,<br />

<strong>de</strong>scendo da fresta, amarrou fortissimamente a outra ao ferrolho da porta do<br />

palheiro. D. <strong>Quixote</strong>, que sentiu no pulso a aspereza da corda, disse:<br />

— Mais parece que Vossa Mercê me está arranhando do que afagando a<br />

mão; não a trateis tão mal, porque ela não tem culpa do <strong>de</strong>sgosto que a minha<br />

vonta<strong>de</strong> vos causa, nem bem parece que em tão pequena parte vos vingueis do<br />

todo do vosso dissabor... ve<strong>de</strong> que quem bem quer não se vinga tão mal.<br />

Porém, todas estas razões <strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong> já não as ouvia ninguém, porque,<br />

logo que Maritornes o amarrou, tanto ela como a outra se foram embora a morrer <strong>de</strong><br />

riso, e <strong>de</strong>ixaram-no <strong>de</strong> tal modo preso que lhe foi impossível soltar-se.<br />

Estava, pois, como se disse, <strong>de</strong> pé em cima <strong>de</strong> Rocinante, com o braço todo<br />

metido pela fresta, e amarrado pelo pulso ao ferrolho da porta, com grandíssimo<br />

temor e cuidado não se mexesse o cavalo, porque ficaria então pendurado pelo<br />

braço, e assim não ousava fazer movimento algum, ainda que do raciocínio e<br />

mansidão <strong>de</strong> Rocinante bem se po<strong>de</strong>ria esperar que estaria sem se mover um<br />

século todo.<br />

Afinal, vendo-se D. <strong>Quixote</strong> amarrado e vendo também que as damas se<br />

tinham ido embora, começou a imaginar que tudo aquilo se fazia por encantamento,<br />

como da outra vez, quando naquele mesmo castelo o moeu <strong>de</strong> pancadas aquele<br />

mouro encantado do arrieiro, e maldizia entre si a sua pouca discrição e pouco<br />

discorrer, pois, tendo-se saído tão mal da primeira vez, se aventurara a entrar ali <strong>de</strong><br />

novo, sendo regra <strong>de</strong> cavaleiros andantes que, em tentando uma aventura e não se<br />

saindo bem <strong>de</strong>la, sinal é <strong>de</strong> que não está para eles guardada, mas sim para outro, e<br />

não precisam <strong>de</strong> tentá-la segunda vez.<br />

Com tudo isto, puxava pelo braço a ver se podia soltar-se, mas estava tão<br />

bem atado, que todas as suas tentativas foram baldadas. Certo é que puxava com<br />

tento, para que Rocinante se não movesse, e, ainda que quisesse sentar-se ou<br />

cavalgar nele, não podia senão ou estar <strong>de</strong> pé, ou arrancar a mão.<br />

Ali foi o <strong>de</strong>sejar a espada <strong>de</strong> Amadis, contra a qual não tinha força<br />

encantamento algum; ali foi o maldizer a sua fortuna, exagerar a falta que faria no<br />

mundo a sua presença, durante o tempo em que ali estivesse encantado, que assim<br />

sem a mínima dúvida se julgava; ali o recordar-se da sua querida Dulcinéia <strong>de</strong>l<br />

Toboso, ali o chamar pelo seu bom escu<strong>de</strong>iro Sancho Pança, que sepultado no sono<br />

e estendido sobre a albarda do seu jumento, não se recordava naquele instante nem<br />

da mãe que o <strong>de</strong>u à luz; ali chamou pelos sábios Lirgando e Alquife, para que o<br />

ajudassem; ali invocou a sua boa amiga Urganda, para que o socorresse, e<br />

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