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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Com isto recobrou, a seu parecer, tanto ânimo, que nem que o acometessem<br />

todos os arrieiros do mundo, fizera pé atrás.<br />

Os companheiros dos feridos, vendo-os naquele estado, começaram <strong>de</strong> longe<br />

a chover pedras sobre D. <strong>Quixote</strong>, o qual, o melhor que podia, se ia <strong>de</strong>las<br />

anteparando com a sua adarga, e não ousava apartar-se da pia, para não<br />

<strong>de</strong>samparar as suas armas.<br />

Vozeava o ven<strong>de</strong>iro para que <strong>de</strong>ixassem o homem, porque já lhes tinha dito<br />

que era doido, e por doido se livraria, ainda que os matasse a todos.<br />

Mais alto porém bradava D. <strong>Quixote</strong>, chamando-lhes aleivosos e traidores, e<br />

acrescentava que o senhor do castelo era um covar<strong>de</strong>, e mal nascido cavaleiro, por<br />

consentir que assim se tratassem cavaleiros andantes; e que a ter já recebido a<br />

or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cavalaria, ele o ensinara.<br />

— De vós outros, canzoada baixa e soez, nenhum caso faço. Atirai-me,<br />

chegai, vin<strong>de</strong> e ofen<strong>de</strong>i-me em quanto pu<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s, que vereís o pago que levais da<br />

sandice e <strong>de</strong>masia.<br />

Dizia aquilo com tanto brio e <strong>de</strong>nodo, que infundiu pavor nos que o<br />

acometiam, e tanto por isto, como pelas persuasões do locan<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> o<br />

apedrejar, e ele <strong>de</strong>u azo para levarem os feridos, e continuou na vela das armas<br />

com a mesma quietação e sossego que a princípio.<br />

Não pareceram bem ao dono da casa os brincos do hóspe<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>terminou<br />

abreviar, e dar-lhe a negregada or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cavalaria, sem perda <strong>de</strong> tempo, antes que<br />

mais alguma <strong>de</strong>sgraça suce<strong>de</strong>sse; e assim, aproximando-se-lhe, se lhe <strong>de</strong>sculpou<br />

da insolência daquela gente baixa, sem ele saber <strong>de</strong> tal, mas que bem castigados<br />

ficavam do seu atrevimento.<br />

Repetiu-lhe o que já lhe tinha dito, que naquele castelo não havia capela, e<br />

para o poucochito que faltava, bem podia isso dispensar-se; que o essencial para<br />

ficar armado cavaleiro consistia no pescoção e na espa<strong>de</strong>irada, segundo ele sabia<br />

pelo cerimonial da or<strong>de</strong>m, e que isto até no meio <strong>de</strong> um campo se podia fazer; que<br />

pelo que tocava ao velar as armas, já o tinha cumprido, sendo bastante duas horas<br />

<strong>de</strong> vela, e tendo ele estado nisso mais <strong>de</strong> quatro.<br />

Tudo lhe acreditou D. <strong>Quixote</strong>, e respon<strong>de</strong>u que estava ali pronto para lhe<br />

obe<strong>de</strong>cer, e que finalizasse com a maior brevida<strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>sse, porque, se<br />

tornasse a ser acometido, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> armado cavaleiro, não <strong>de</strong>ixaria pessoa viva no<br />

castelo, exceto as que o senhor castelão lhe mandasse, que a essas, por seu<br />

respeito, perdoaria.<br />

Avisado e medroso, o castelão trouxe logo um livro, em que assentava a<br />

palha e cevada que dava aos arrieiros, e com um coto <strong>de</strong> vela <strong>de</strong> sebo que um<br />

muchacho lhe trouxe aceso, e, com as duas sobreditas donzelas, voltou para ao pé<br />

<strong>de</strong> D. <strong>Quixote</strong>, mandou-o pôr <strong>de</strong> joelhos, e, lendo no seu manual em tom <strong>de</strong> quem<br />

recitava alguma oração <strong>de</strong>vota, no meio da leitura levantou a mão, e lhe<br />

<strong>de</strong>scarregou no cachaço um bom pescoção, e logo <strong>de</strong>pois com a sua mesma<br />

espada uma pranchada, sempre rosnando entre <strong>de</strong>ntes, como quem rezava. Feito<br />

isto, mandou a uma das donzelas que lhe cingisse a espada, o que ela fez com<br />

muito <strong>de</strong>sembaraço e discrição (e não era necessária pouca para não rebentar <strong>de</strong><br />

riso em cada circunstância da cerimônia); porém as proezas que já tinham visto do<br />

novo cavaleiro lhes davam mate à hilarida<strong>de</strong><br />

Ao cingir-lhe a espada, disse-lhe a boa senhora:<br />

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