15.04.2013 Views

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

D.Quixote de La Mancha - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

Suplicaram-lhe que lhes explicasse o que dizia, e lhes narrasse o que vira naquele<br />

inferno.<br />

— Chamais-lhe inferno! — disse D. <strong>Quixote</strong> — não lhe chameis assim, que o<br />

não merece, como vereis logo.<br />

Pediu que lhe <strong>de</strong>ssem alguma coisa <strong>de</strong> comer, que trazia muitíssima fome.<br />

Esten<strong>de</strong>ram o xairel do jumento do guia sobre a ver<strong>de</strong> relva, foram à dispensa<br />

dos alforjes, e, sentados todos três em boa companhia, merendaram e cearam ao<br />

mesmo tempo. Levantada a improvisada mesa, disse D. <strong>Quixote</strong> <strong>de</strong> la <strong>Mancha</strong>:<br />

— Não se levante ninguém, e ouçam-me com atenção.<br />

CAPÍTULO XXIII<br />

Das admiráveis coisas que o extremado D. <strong>Quixote</strong> contou que vira na<br />

profunda cova <strong>de</strong> Montesinos, coisas que, pela impossibilida<strong>de</strong> e gran<strong>de</strong>za, fazem<br />

que se consi<strong>de</strong>re apócrifa esta aventura.<br />

Seriam quatro horas da tar<strong>de</strong>, quando o sol, encoberto e entre nuvens, com<br />

escassa luz e temperados raios permitiu a D. <strong>Quixote</strong> contar, sem calor nem<br />

incômodo, aos seus dois claríssimos ouvintes, o que vira na cova <strong>de</strong> Montesinos; e<br />

começou do seguinte modo:<br />

— A coisa <strong>de</strong> doze ou catorze estádios, nas entranhas <strong>de</strong>sta caverna, fica à<br />

mão direita uma concavida<strong>de</strong> espaçosa, capaz <strong>de</strong> caber <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la um gran<strong>de</strong><br />

carro com as suas mulas. Entra ali, coada por algumas fendas, que, abertas na<br />

superfície, bem longe ficam, uma tenuíssima luz. Esta concavida<strong>de</strong> vi eu, quando já<br />

ia mofino e cansado <strong>de</strong> me sentir suspenso e <strong>de</strong> caminhar preso à corda por aquela<br />

escura região abaixo, sem levar certo nem <strong>de</strong>terminado rumo, e assim resolvi entrar<br />

e <strong>de</strong>scansar um pouco. Bra<strong>de</strong>i, pedindo-vos que não largásseis mais corda, até que<br />

eu vo-lo dissesse; mas creio que me não ouvistes. Fui juntando corda que<br />

mandáveis e arranjando com ela um rolo, em que me sentei, muito pensativo,<br />

consi<strong>de</strong>rando o que havia <strong>de</strong> fazer para chegar ao fundo, não tendo quem me<br />

segurasse; estando eu neste cismar e nesta confusão, <strong>de</strong> repente salteou-me um<br />

sono profundíssimo e, quando menos o pensava, sem saber como, nem como não,<br />

<strong>de</strong>spertei e achei-me no meio do mais <strong>de</strong>leitoso prado, que pô<strong>de</strong> criar a natureza ou<br />

fantasiar a mais discreta imaginação humana. Arregalei os olhos, esfreguei-os e vi<br />

que não dormia, mas que estava perfeitamente <strong>de</strong>sperto. Contudo, sempre tenteei a<br />

cabeça e o peito, para me certificar se era eu mesmo que ali estava, ou algum<br />

fantasma vão; mas o tato, o sentimento, os discursos concertados que fazia entre<br />

mim, me certificaram que era eu ali então o mesmo que sou agora aqui. Ofereceuse-me<br />

logo à vista um verda<strong>de</strong>iro e suntuoso palácio ou alcáçar, cujos muros<br />

pareciam fabricados <strong>de</strong> claro e transparente cristal, don<strong>de</strong> saiu, ao abrirem-se duas<br />

gran<strong>de</strong>s portas, e veio direito a mim, um ancião venerável, coberto com um capote<br />

<strong>de</strong> baeta roxa, que arrastava pelo chão. Vestia por baixo uma batina <strong>de</strong> cetim ver<strong>de</strong>,<br />

trazia uma negra gorra milanesa, e a barba alvíssima <strong>de</strong>scia-lhe abaixo da cintura;<br />

não tinha armas, tinha apenas na mão um rosário <strong>de</strong> contas maiores que nozes, e<br />

os padre-nossos eram do tamanho <strong>de</strong> ovos <strong>de</strong> avestruz; o porte, o andar, a<br />

gravida<strong>de</strong> e a majesta<strong>de</strong> da presença suspen<strong>de</strong>ram-me e assombraram-me.<br />

409

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!