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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

O cura, ouvindo isto, disse-lhe que aten<strong>de</strong>sse à salvação da alma, antes que<br />

aos prazeres do corpo, e que pedisse a Deus perdão dos seus pecados, e da sua<br />

<strong>de</strong>sesperada resolução. A isto respon<strong>de</strong>u Basílio que se não confessaria por caso<br />

algum, se primeiro Quitéria lhe não <strong>de</strong>sse a mão <strong>de</strong> esposa; que esse<br />

contentamento lhe robusteceria a vonta<strong>de</strong> e lhe daria ânimo para se confessar.<br />

Ouvindo D. <strong>Quixote</strong> a petição do ferido, disse que Basílio pedia uma coisa muito<br />

justa e razoável, e, além disso, muito fácil <strong>de</strong> realizar, e que o senhor Camacho tão<br />

honrado ficaria casando com a senhora Quitéria, viúva do valoroso Basílio, como se<br />

a recebesse das mãos <strong>de</strong> seu pai; que não haveria mais que um sim, que não teria<br />

outro efeito senão o <strong>de</strong> ser pronunciado, pois que o tálamo <strong>de</strong>stas bodas tinha <strong>de</strong><br />

ser a sepultura. Tudo isto ouviu Camacho, suspenso e confuso, sem saber o que<br />

havia <strong>de</strong> fazer, nem o que havia <strong>de</strong> dizer, mas os brados dos amigos <strong>de</strong> Basílio<br />

foram tantos, a pedirem-lhe que consentisse no casamento <strong>de</strong> Quitéria, para que<br />

Basílio não per<strong>de</strong>sse a sua alma, que o moveram e forçaram a dizer que, se Quitéria<br />

queria dar-lhe a mão <strong>de</strong> esposa, ele não se oporia, pois tudo se cifrava em dilatar<br />

por pouco tempo o cumprimento dos seus <strong>de</strong>sejos. Correram logo todos a Quitéria, e<br />

uns com rogos, outros com lágrimas, outros com eficazes razões, lhe persuadiram<br />

que <strong>de</strong>sposasse o pobre Basílio; e ela, mais dura do que o mármore, fria como uma<br />

estátua, mostrava não saber, nem po<strong>de</strong>r, nem querer respon<strong>de</strong>r uma só palavra,<br />

nem respon<strong>de</strong>ria, se o cura lhe não dissesse que resolvesse <strong>de</strong>pressa o que havia<br />

<strong>de</strong> fazer, porque Basílio tinha a alma nos <strong>de</strong>ntes, e não podia esperar <strong>de</strong>terminações<br />

irresolutas. Então a formosa Quitéria, sem dizer palavra, turbada e, segundo parecia,<br />

triste e pesarosa, chegou ao sítio on<strong>de</strong> Basílio estava, já com os olhos revirados, a<br />

respiração curta e precipitada, murmurando o nome <strong>de</strong> Quitéria, dando mostras <strong>de</strong><br />

morrer como gentio e não como cristão. Aproximou-se, enfim, Quitéria, e,<br />

ajoelhando, pediu-lhe a mão por gestos, e não por palavras. Voltou os olhos para ela<br />

Basílio e mirando-a atentamente, disse-lhe:<br />

— Ó Quitéria! vieste a ser piedosa no momento em que a tua pieda<strong>de</strong> há-<strong>de</strong><br />

ser o punhal que acabe <strong>de</strong> me tirar a vida, pois já não tenho forças para po<strong>de</strong>r com a<br />

glória que me dás, escolhendo-me para teu noivo, nem para suspen<strong>de</strong>r a dor, que<br />

tão apressadamente me vai velando os olhos com a sombra espantosa da morte. O<br />

que eu te peço, ó minha fatal estrela, é que este enlace não seja por cumprimento,<br />

nem para me enganar <strong>de</strong> novo, mas que confesses e digas que, sem forçares a tua<br />

vonta<strong>de</strong>, me entregas e me dás a tua mão como a teu legítimo esposo, pois não é<br />

razão que mesmo num transe como este me iludas, ou uses <strong>de</strong> fingimento com<br />

quem sempre contigo tratou lealmente.<br />

E, dizendo isto, <strong>de</strong>smaiava <strong>de</strong> modo que todos os presentes pensavam que<br />

em cada <strong>de</strong>smaio lhe fugiria a alma. Quitéria, toda honesta e vergonhosa, agarrando<br />

com a mão direita na mão <strong>de</strong> Basílio, disse-lhe:<br />

— Não haveria força que pu<strong>de</strong>sse torcer a minha vonta<strong>de</strong>, e assim com meu<br />

livre alvedrio te dou a mão <strong>de</strong> legítima esposa, e recebo a tua, se ma dás <strong>de</strong> livre<br />

vonta<strong>de</strong>, sem que a turbe nem a contraste a calamida<strong>de</strong> produzida pela tua<br />

precipitada resolução.<br />

— Dou, sim — respon<strong>de</strong>u Basílio — não turbado nem confuso, mas com o<br />

claro entendimento que o céu me conce<strong>de</strong>u, e assim me entrego por teu esposo.<br />

— Eu por tua esposa — respon<strong>de</strong>u Quitéria — quer vivas por largos anos,<br />

quer te arranquem dos meus braços para a sepultura.<br />

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