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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

se o tivesse próximo ou presente, como merecedores <strong>de</strong> tal pena, por serem falsos e<br />

embusteiros, como inventores <strong>de</strong> novas seitas e <strong>de</strong> novo modo <strong>de</strong> vida, e como<br />

quem dá ocasião a que o vulgo ignorante venha a crer e a ter por verda<strong>de</strong>iras tantas<br />

neceda<strong>de</strong>s como as que eles encerram. E também tanto atrevimento têm que ousam<br />

turbar os engenhos dos fidalgos discretos e bem nascidos, como se mostra pelo que<br />

lhe fizeram a Vossa Mercê, que o levaram a termos <strong>de</strong> ser forçoso metê-lo numa<br />

jaula, e transportá-lo sobre um carro <strong>de</strong> bois, como quem transporta <strong>de</strong> lugar para<br />

lugar algum leão ou tigre, para o mostrar por dinheiro. Eia! senhor D. <strong>Quixote</strong>, doase<br />

<strong>de</strong> si próprio, e volte ao grêmio da discrição, e saiba usar da muita que o céu foi<br />

servido dar-lhe, empregando o seu felicíssimo talento noutra leitura que redun<strong>de</strong> em<br />

proveito da sua consciência e acrescentamento da sua honra. E, se ainda levado da<br />

sua natural inclinação, quiser ler livros <strong>de</strong> façanhas e <strong>de</strong> cavalarias, leia na Sagrada<br />

Escritura o dos juízes, que ali achará verda<strong>de</strong>s grandiosas e feitos tão reais como<br />

<strong>de</strong>nodados. Teve Lusitânia um Viriato, Roma um César, Cartago um Aníbal, Grécia<br />

um Alexandre, Castela um con<strong>de</strong> Fernão Gonçalves, Valência um Cid, Andaluzia um<br />

Gonçalo Fernan<strong>de</strong>s, Estremadura um Diogo Garcia <strong>de</strong> Pare<strong>de</strong>s, Xerez um Garcia<br />

Peres <strong>de</strong> Vargas, Toledo um Garcilasso, Sevilha um D. Manuel <strong>de</strong> Leon, e a lição<br />

dos seus valorosos feitos po<strong>de</strong> entreter, ensinar, <strong>de</strong>leitar e assombrar os mais altos<br />

engenhos que os lerem. Esta sim, esta é que será leitura digna do bom<br />

entendimento <strong>de</strong> Vossa Mercê, D. <strong>Quixote</strong> senhor meu, <strong>de</strong> que sairá erudito na<br />

história, enamorado da virtu<strong>de</strong>, ensinado na bonda<strong>de</strong>, melhorado nos costumes,<br />

ousado sem temerida<strong>de</strong>, pru<strong>de</strong>nte sem cobardia, e tudo isto para honra <strong>de</strong> Deus,<br />

proveito seu e fama da <strong>Mancha</strong>, don<strong>de</strong>, segundo soube, tira Vossa Mercê o seu<br />

princípio e origem.<br />

Atentissimamente esteve D. <strong>Quixote</strong> escutando as razões do cônego, e<br />

quando viu que terminara, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o ter estado contemplando por largo espaço,<br />

disse:<br />

— Parece-me, senhor fidalgo, que a prática <strong>de</strong> Vossa Mercê encaminhou-se a<br />

querer-me dar a enten<strong>de</strong>r que não houve cavaleiros andantes no mundo, e que<br />

todos os livros <strong>de</strong> cavalaria são falsos, mentirosos, danosos e inúteis para a<br />

república, e que fiz mal em lê-los, pior em acreditá-los, e pessimamente em imitá-los,<br />

dando-me a seguir a duríssima profissão <strong>de</strong> cavaleiro andante que eles ensinam, e<br />

negou, além disso, que tivesse havido no mundo Amadises <strong>de</strong> Gaula ou da Grécia,<br />

e todos os outros aventurosos cavaleiros <strong>de</strong> que andam cheios os livros.<br />

— Tal qual como Vossa Mercê vai relatando — interrompeu o cônego.<br />

— Acrescentou também Vossa Mercê — continuou D. <strong>Quixote</strong> — que me<br />

tinham feito gran<strong>de</strong> dano tais livros, porque me tinham dado volta ao juízo e metido<br />

numa jaula, e que melhor seria que eu me emendasse, mudando <strong>de</strong> leitura e lendo<br />

outros mais verda<strong>de</strong>iros, e que melhor <strong>de</strong>leitem e ensinem.<br />

— Exato — tornou o cônego.<br />

— Pois eu — replicou D. <strong>Quixote</strong> — sustento que quem não tem juízo e quem<br />

vai encantado é Vossa Mercê, pois <strong>de</strong>satou a dizer tantas blasfêmias contra uma<br />

coisa tão bem acolhida no mundo, e tida por tão verda<strong>de</strong>ira, que aquele que a<br />

negasse, como Vossa Mercê a nega, merecia a mesma pena que Vossa Mercê diz<br />

que dá aos livros, quando os lê e o enfadam; porque querer dizer que Amadis não<br />

existiu neste mundo, nem existiram todos os outros aventurosos cavaleiros <strong>de</strong> que<br />

estão cheias as histórias, será querer persuadir que o sol não alumia, nem o gelo<br />

arrefece, nem a terra po<strong>de</strong> conosco; pois diga-me, que engenho po<strong>de</strong> haver no<br />

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