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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

promessa que me fez do governo <strong>de</strong> uma ilha, seria justo que se me acrescentasse<br />

mais seis reais, o que ao todo faria trinta.<br />

— Pois muito bem; conforme o salário que tu mesmo arbitraste — redarguiu<br />

D. <strong>Quixote</strong> — há vinte e cinco dias que saímos do nosso povo; faze a conta, vê o<br />

que te <strong>de</strong>vo, e paga-te pela tua mão.<br />

— Coitado <strong>de</strong> mim! — disse Sancho — Vossa Mercê erra muito a soma,<br />

porque, no que respeita à promessa da ilha, há-<strong>de</strong> se contar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia em que<br />

Vossa Mercê ma prometeu até à hora presente em que estamos.<br />

— Então, há quanto tempo ta prometi eu, Sancho? — disse D. <strong>Quixote</strong>.<br />

— Se bem me recordo — tornou Sancho — há-<strong>de</strong> haver vinte anos, pouco<br />

mais ou menos.<br />

D. <strong>Quixote</strong> <strong>de</strong>u uma gran<strong>de</strong> palmada na testa e <strong>de</strong>satou a rir com vonta<strong>de</strong>,<br />

dizendo:<br />

— Eu, na Serra Morena, e em todo o <strong>de</strong>curso das nossas saídas, não an<strong>de</strong>i<br />

mais que dois meses; e dizes tu, Sancho, que há vinte anos que te prometi a ilha?<br />

Agora vejo eu que queres que se gaste, nos teus salários, todo o dinheiro meu que<br />

tens em teu po<strong>de</strong>r; e, se assim é, e se isso te apraz, já te <strong>de</strong>claro que to dou e que<br />

te faça muito bom proveito, que, a troco <strong>de</strong> me ver livre <strong>de</strong> tão mau escu<strong>de</strong>iro,<br />

folgaria <strong>de</strong> ficar pobre e sem mealha. Mas, dize-me, prevaricador das or<strong>de</strong>nanças<br />

escu<strong>de</strong>iris da cavalaria andante, on<strong>de</strong> é que viste ou leste que nenhum escu<strong>de</strong>iro se<br />

pusesse com o seu senhor à contenda, para saber quanto se lhe há-<strong>de</strong> dar por cada<br />

mês que o serviu? Entra, malandrino revel e vampiro insaciável, entra, repito, nesse<br />

mare magnum das suas histórias, e se encontrares notícia <strong>de</strong> que algum escu<strong>de</strong>iro<br />

dissesse ou pensasse o que tu acabas <strong>de</strong> dizer, consinto que mo estampes na testa<br />

e que me esbofeteies o rosto; volta as ré<strong>de</strong>as ou o cabresto ao asno, e torna para<br />

tua casa, porque não quero que dês nem mais um passo na minha companhia! Ó<br />

pão mal reconhecido! ó promessas mal empregadas! Ó homem que tens mais <strong>de</strong><br />

bruto que <strong>de</strong> pessoa <strong>de</strong> juízo! Agora, que eu pensava em te dar estado, e tal que,<br />

apesar <strong>de</strong> tua mulher, te tratassem por senhoria, agora é que te <strong>de</strong>spe<strong>de</strong>s? Vais-te<br />

embora, quando eu tinha a intenção firme e sincera <strong>de</strong> te fazer senhor da melhor ilha<br />

<strong>de</strong>ste mundo? Enfim, como tens dito muitas vezes, não é o mel etc. Asno és, e asno<br />

hás-<strong>de</strong> ser, e como asno hás-<strong>de</strong> morrer, quando se te acabar o curso da vida, que<br />

tenho para mim que mais cedo chegará ela ao seu último termo, do que tu percebas<br />

que és uma besta.<br />

Olhava Sancho para D. <strong>Quixote</strong> muito fito, enquanto ele lhe dizia estes<br />

vitupérios, e compungiu-se <strong>de</strong> tal maneira, que se lhe arrasaram os olhos <strong>de</strong> água,<br />

e, com voz dolorida e plangente, disse-lhe:<br />

— Senhor meu, confesso que para ser asno <strong>de</strong> todo só me falta o rabo; se<br />

Vossa Mercê mo quiser pôr, dá-lo-ei por muito bem posto, e servi-lo-ei como um<br />

jumento em todos os dias <strong>de</strong> vida que me restam. Perdoe-me Vossa Mercê, e<br />

compa<strong>de</strong>ça-se da minha mocida<strong>de</strong>, e advirta que eu sei pouco, e que, se falo muito,<br />

isso proce<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> enfermida<strong>de</strong> que <strong>de</strong> malícia; mas, como Vossa Mercê muito<br />

bem sabe, quem erra e se emenda, a Deus se encomenda.<br />

— Maravilhar-me-ia eu, Sancho, se não misturasses no colóquio algum<br />

rifãozito. Ora bem, perdoo-te, contanto que te emen<strong>de</strong>s, e que te não mostres daqui<br />

por diante tão amigo dos teus interesses; mas que procures <strong>de</strong>itar o coração à larga,<br />

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