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D.Quixote de La Mancha - Unama

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www.nead.unama.br<br />

que estás. Vem cá, pecador; se o vento da fortuna, tão contrário até aqui, vira <strong>de</strong><br />

rumo para nos favorecer, enchendo-nos as velas do <strong>de</strong>sejo, para que seguramente,<br />

e sem contraste algum, aportemos em algumas das ilhas que já te prometi, que seria<br />

<strong>de</strong> ti se, ganhando-a, eu te fizesse senhor <strong>de</strong>la? Pois hás-<strong>de</strong> tu mesmo<br />

impossibilitar-me <strong>de</strong> o realizar, por não seres armado cavaleiro nem quereres sê-lo,<br />

nem teres valor nem tenção <strong>de</strong> vingar as tuas injúrias, e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os teus domínios?!<br />

porque hás-<strong>de</strong> saber que nos reinos e províncias recém-conquistadas nunca os<br />

ânimos dos seus naturais estão sossegados, nem tão favoráveis ao novo senhor,<br />

que se não tema alguma novida<strong>de</strong> para se alterarem <strong>de</strong> novo as coisas, e se tornar,<br />

como dizem, a tentar <strong>de</strong> novo fortuna; e portanto é necessário que o novo possessor<br />

tenha entendimento para se saber governar, e valor para ofen<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se em<br />

qualquer contingência.<br />

— Nisto que nos agora aconteceu — tornou Sancho — quisera eu ter tido<br />

esse entendimento e esse valor que Vossa Mercê diz; mas eu lhe juro, à fé <strong>de</strong> pobre<br />

homem, que mais estou eu para emplastros, que para arrazoados. Olhe Vossa<br />

Mercê se se po<strong>de</strong> levantar, e ajudaremos ao Rocinante a pôr-se em pé (ainda que<br />

bem pouco o merece por ter sido o causador <strong>de</strong>sse barulho). Nunca tal esperei <strong>de</strong><br />

Rocinante; tinha-o por pessoa casta, e tão pacífica <strong>de</strong> si como eu próprio. Enfim,<br />

bem dizem lá que é preciso muito tempo para se acabar <strong>de</strong> conhecer os indivíduos,<br />

e que não há coisa segura nesta vida. Quem havia <strong>de</strong> dizer que atrás daquelas tão<br />

gran<strong>de</strong>s cutiladas, como as que Vossa Mercê <strong>de</strong>u naquele <strong>de</strong>sgraçado cavaleiro<br />

andante, nos havia <strong>de</strong> vir pela porta, e no alcance, este temporal tamanho <strong>de</strong><br />

pauladas que nos <strong>de</strong>sabou nos espinhaços?<br />

— Ainda o teu, Sancho — replicou D. <strong>Quixote</strong> — <strong>de</strong>ve estar acostumado a<br />

borrascas <strong>de</strong>stas; porém o meu, criado entre esguiões e holandas finas, claro está<br />

que há-<strong>de</strong> sentir mais a dor <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>sgraça; e se não fosse por imaginar (que digo?<br />

Imaginar!) por saber, que todos estes <strong>de</strong>scômodos andam muito anexos ao exercício<br />

das armas, aqui me <strong>de</strong>ixara morrer <strong>de</strong> pura vergonha.<br />

Respon<strong>de</strong>u o escu<strong>de</strong>iro:<br />

— Senhor meu, já que estas <strong>de</strong>sgraças são fruto da cavalaria, diga-me Vossa<br />

Mercê se costuma haver muitas sáfaras <strong>de</strong>las, ou se têm suas estações fora das<br />

quais se não apanham; porque a mim me parece que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> duas colheitas<br />

assim, já nos po<strong>de</strong>mos dar por dispensados para terceira, se Deus com sua infinita<br />

misericórdia nos não socorre.<br />

— Sabe, amigo Sancho — respon<strong>de</strong>u D. <strong>Quixote</strong> — que a vida dos cavaleiros<br />

andantes está sujeita a mil perigos e <strong>de</strong>sventuras, assim como, nem mais nem<br />

menos, estão eles também sempre em contingências muito próximas <strong>de</strong> subirem a<br />

Reis e Imperadores, como a experiência o tem mostrado em diversos e muitos<br />

cavaleiros, <strong>de</strong> cujas histórias eu tenho inteira notícia. Pu<strong>de</strong>ra contar-te agora, se a<br />

dor me <strong>de</strong>sse vaga, <strong>de</strong> alguns que, só pelo valor do seu braço, têm subido aos altos<br />

estados que te disse; e esses mesmos se viram, antes e <strong>de</strong>pois, em diversas<br />

calamida<strong>de</strong>s e misérias; porque o valoroso Amadis <strong>de</strong> Gaula caiu em po<strong>de</strong>r do seu<br />

mortal inimigo Arcalau o encantador, a respeito do qual se tem por averiguado que,<br />

tendo-o preso e atado numa coluna <strong>de</strong> um pátio, lhe <strong>de</strong>u para cima <strong>de</strong> duzentos<br />

açoites com as ré<strong>de</strong>as do seu cavalo; e até há um autor secreto <strong>de</strong> não pequeno<br />

crédito, que diz que, tendo o cavaleiro <strong>de</strong>l Febo topado em certo alçapão que se lhe<br />

abriu <strong>de</strong>baixo dos pés em certo castelo, ao cair se achou numa profunda cova<br />

subterrânea atado <strong>de</strong> pés e mãos; e ali lhe <strong>de</strong>ram um <strong>de</strong>stes clisteres que chamam<br />

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