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07 – Santo Agostinho - Charlezine

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2<br />

Do prazer dramático<br />

2. Arrebatavam-me os espetáculos teatrais, cheios de imagens das minhas misérias<br />

e de alimento próprio para o fogo das minhas paixões.<br />

Mas por que quer o homem condoer-se, quando presencia cenas dolorosas e<br />

trágicas, se de modo algum deseja suportá-las? Todavia, o espectador anseia por sentir<br />

esse sofrimento, que, afinal, para ele constitui um prazer. Que é isto senão rematada<br />

loucura? Com efeito, tanto mais cada um se comove com tais cenas quanto menos curado<br />

se acha de tais afetos (deletérios). Mas ao sofrimento próprio chamamos ordinariamente<br />

desgraça, e à comparticipação das dores alheias, compaixão. Que compaixão é essa em<br />

assuntos fictícios e cênicos, se não induz o espectador a prestar auxílio, mas somente o<br />

convida à angústia e a comprazer ao dramaturgo, na proporção da dor que experimenta?<br />

E, se aquelas tragédias humanas, antigas ou fingidas, se representam de modo a não<br />

excitarem a compaixão, o espectador retira-se enfastiado e criticando. Pelo contrário, se se<br />

comove, permanece atento e chora de satisfação.<br />

3. Amamos, portanto, as lágrimas e as dores. Mas todo homem deseja o gozo. Ora,<br />

ainda que a ninguém apraza ser desgraçado, apraz-nos contudo o ser compadecidos. Não<br />

gostaremos nós dessas emoções dolorosas pelo único motivo de que a compaixão é<br />

companheira inseparável da dor?<br />

A amizade é a fonte destas simpatias. Mas para onde se dirige? Para onde corre?<br />

Por que se despenha na torrente de pez a ferver e nas vagas alterosas das negras paixões,<br />

onde voluntariamente se transforma e se aparta da serenidade celeste, que o homem<br />

abandonou e repudiou? Logo, deve-se repelir a compaixão? De modo nenhum. Convém,<br />

portanto, amar, alguma vez, as dores. Mas acautela-te da impureza, ó minha alma, "sob a<br />

proteção do meu Deus, do Deus dos nossos pais, digno de louvor e honra por todos os<br />

séculos 94"; foge da impureza.<br />

Agora nem por isso me fecho à compaixão. Mas em tempos passados<br />

compartilhava no teatro da satisfação dos amantes que mutuamente se gozavam pela<br />

torpeza, se bem que espetáculos destes não passassem de meras ficções. Quando se<br />

94 Dan. 3, 52.

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