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07 – Santo Agostinho - Charlezine

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em mim, tão contrário a este: dominava-me um pesadíssimo tédio de viver e um medo de<br />

morrer. Creio que quanto mais o amava, mais odivava e temia, como inimigo feroz, a<br />

morte que mo arrebatara. Julgava que ela ia consumir, de repente, todos os homens, já<br />

que isto mesmo o pôde fazer a ele. Era exatamente este o meu estado de espírito, se bem<br />

me lembro.<br />

Eis o meu coração, ó meu Deus, ei-lo por dentro! Reparai nestas evocações do<br />

passado, ó Esperança minha, que me limpais da imundície destas afeições, dirigindo para<br />

Vós os meus olhos e "arrancando do laço os meus pés 133". Admirava-me de viverem os<br />

outros mortais, quando tinha morrido aquele que eu amava, como se ele não houvesse de<br />

morrer! E, sendo eu outro ele, mais me admirava de ainda viver, estando ele morto.<br />

Que bem se exprimiu um poeta, quando chamou ao seu amigo "metade da sua<br />

alma 134"! Ora, eu, que senti que a minha alma e a sua formavam uma só em dois corpos,<br />

tinha horror à vida, porque não queria viver só com metade. Talvez por isso é que receava<br />

morrer, não viesse a morrer totalmente aquele a quem eu tanto amara.<br />

7<br />

Deixa Tagaste<br />

12. Oh ! loucura que não sabe amar os homens humanamente! Oh! que louco o<br />

homem que sofre, sem conformidade, os reveses humanos! Assim era eu então. Por isso,<br />

inquietava-me, suspirava, chorava, perturbava-me sem descanso nem circunspecção.<br />

Trazia a alma despedaçada a escorrer sangue: repugnava-lhe ser por mim<br />

conduzida, e eu não encontrava lugar onde a depusesse. Não descansava nos bosques<br />

amenos, nem nos jogos e cânticos, nem em lugares suavemente perfumados, nem em<br />

banquetes fausto-sos, nem no prazer da alcova e do leito, nem finalmente nos livros e<br />

versos. Tudo me horrorizava, até a própria luz. Tudo o que não era o que ele era tinha<br />

por mau e fastidioso, exceto os gemidos e lágrimas, pois só nestas encontrava algum<br />

repouso. Mas apenas de lá arrancava a minha alma, pesava sobre mim o grande fardo da<br />

desgraça.<br />

Sabia, ó Senhor, que a devia erguer para Vós a fim de ser curada, mas não queria<br />

nem tinha forças, tanto mais que, ao pensar em Vós, não me parecíeis solidamente firme.<br />

133 Sl 24, 15.<br />

134 "Ó nau, que levas Virgílio, a ti confiado, peço-te que o entregues, incólume, aos territórios da Ática, e me conserves essa metade da<br />

minha alma " (Horácio, Odes, I, 3). (N. do T.)

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