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07 – Santo Agostinho - Charlezine

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4<br />

A perda dum amigo<br />

Lutando ele com febre, jazeu por muito tempo, sem acordo, banhado em mortal<br />

suor. Sendo o caso desesperado, batizaram-no, sem ele o saber. Não me importei com<br />

isto, persuadido de que o seu espírito reteria antes o que de mim recebera que a cerimônia<br />

feita sobre o corpo inanimado. Mas sucedeu inteiramente o contrário. Recobrou ânimo e<br />

melhorou. Imediatamente, apenas pude falar com ele — o que se realizou logo que ele<br />

também pôde, de tal maneira dependíamos um do outro que não me afastava do seu lado<br />

—, tentei pôr a ridículo, na sua presença, o batismo que recebera com privação do<br />

entendimento e dos sentidos. Mas já lhe tinham dito que o havia recebido. Olhou-me,<br />

então, com horror, como a inimigo. Com incrível e brusca liberdade, avisou-me que, se<br />

queria continuar a ser seu amigo, acabasse com tais modos de falar. Estupefato e<br />

perturbado, reprimi toda a emoção, esperando que convalescesse e recuperasse as forças<br />

da saúde, para assim poder tratar com ele o que quisesse. Mas, arrancado à minha louca<br />

amizade, a fim de consolar a minha alma e se conservar junto de Vós, poucos dias depois,<br />

estando eu ausente, recai na febre e expira.<br />

9. Com tal dor, entenebreceu-se-me o coração. Tudo o que via era morte. A pátria<br />

era para mim um exílio, e a casa paterna, um estranho tormento. Tudo o que com ele<br />

comunicava, sem ele convertia-se-me em enorme martírio. Os meus olhos indagavam-no<br />

por toda parte, e não me era restituído. Tudo me aborrecia, porque nada o continha e<br />

ninguém me avisava: "ali vem ele!", como quando voltava, ao encontrar-se ausente.<br />

Tinha-me transformado num grande problema 129. Interrogava à minha alma por que<br />

andava triste e se perturbava tanto 130, e nada me sabia responder. Se lhe dizia: "Espera em<br />

Deus", não obedecia. E com razão, pois o homem tão querido que perdera era mais<br />

verdadeiro e melhor que o fantasma em que lhe mandava ter esperança. Só o choro me<br />

era doce. Só ele sucedera ao meu amigo, nas delícias da alma.<br />

129 Pela introspecção, <strong>Agostinho</strong> encara e defronta o ponto crucial do seu drama. Pretende o Ser, a Verdade, a Beatitude. Examina os<br />

anseios, as tendências dum abismo a pedir plenitude. Eis, nesta frase, mais um ponto de contato do Hiponense com a filosofia<br />

existencialista. (N. do T.)<br />

130 Sl 41, 6, 12; 42, 5.

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