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07 – Santo Agostinho - Charlezine

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5<br />

O reconforto das lágrimas<br />

10. Agora, Senhor, já tudo passou e o tempo aliviou a minha ferida. Poderei<br />

aproximar da vossa boca o ouvido do coração, para ouvir de Vós, que sois a Verdade, o<br />

motivo por que o choro é doce aos desgraçados? Ainda que Vos acheis presente em toda<br />

parte, repelistes para longe de Vós a nossa miséria? Permaneceis também em Vós mesmo,<br />

quando somos revolvidos pelos acontecimentos? Se não chorarmos a vossos ouvidos,<br />

nada restará da nossa esperança. Donde provém o suave fruto que se colhe da amargura<br />

da vida, dos gemidos, dos prantos, dos suspiros, das queixas? Encontraremos aí doçura,<br />

pela esperança que temos de nos atenderdes? Na verdade, isto sucede na oração, porque<br />

esta encerra a ânsia de chegar até Vós.<br />

Mas ter-se-á dado o mesmo caso com a dor do objeto perdido e a tristeza que<br />

então me cobriam? Já não esperava que o meu amigo revivesse nem o suplicava com<br />

lágrimas. Só me condoía e chorava, porque era infeliz e tinha perdido a minha alegria.<br />

Sucederia isto porque o pranto — que de si é amargo — nos deleita quando nos invade o<br />

fastio dos prazeres que antes gozávamos, andando nós aborrecidos com eles?<br />

6<br />

Violência da dor<br />

11. Mas para que falar de tudo isso, se agora não é o tempo de investigar, mas de<br />

me confessar a Vós? Era desgraçado, e desgraçada é toda alma presa pelo amor às coisas<br />

mortais. Despedaça-se quando as perde, e então sente a miséria que a torna miserável,<br />

ainda antes de as perder 131.<br />

Eis o que era nesse tempo: chorava muito amargamente e descansava na amargura.<br />

Oh ! era desgraçado ! Todavia, tinha em maior apreço esta miserável vida que aquele<br />

amigo, pois, se bem que desejasse mudar de vida, preferia, contudo, perdê-lo a ele do que<br />

a ela. Não sei se quereria morrer por ele, como se conta — se não é ficção — de Orestes<br />

e Pílades 132, que juntamente desejavam morrer um pelo outro, porque o não viverem<br />

juntos era para eles pior que a própria morte. Mas não sei que sentimento tinha nascido<br />

131<br />

O filósofo dinamarquês Sòren Kierkegaard, no seu livro O Desespero Humano, viu bem esta tragédia do pecado. O homem está no<br />

centro da luta de duas forças antagônicas. Dois pesos o vergam.(N. doT.)<br />

132<br />

Ficaram célebres na história da Antigüidade as amizades de Aquiles e Pátroclo (Cf. Ilíada, IX ss.), de Orestes e Pílades (Cícero, Da<br />

Amizade, VII), de Niso e Euríalo (Eneida, IX). (N. do T.)

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