dissertação revisada para biblioteca - Centro de Referência Virtual ...

As pessoas que chegavam sempre traziam um leilão. Dona Maria pediu-me para que,
após as recebesse na porta, as acompanhasse ao “quarto dos leilões”, onde d. Beota estava
recebendo e arrumando as ofertas. Ela nos disse, que após receber o leilão, deveríamos
agradecer cada um assim: “Senhor Bom Jesus que aumente pro cê”. Ou: “Senhor Bom Jesus
que lhe dê em dobro”. De acordo com Gilmar Rocha,
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Mauss descobriu, a partir da análise comparada de inúmeras modalidades de trocas
simbólicas entre os povos das sociedades primitivas e tradicionais, o que ele
batizou de sistema de prestações totais onde o dar, o receber e o retribuir são ações
voluntárias e ao mesmo tempo obrigatórias. (2011, p. 61).
Dar um leilão em homenagem à Bom Jesus é uma ação voluntária, no entanto se torna
obrigatória quando o fiel pede em troca da doação algum benefício divino, como cura de
doenças, uma boa colheita, chuva no tempo certo, entre outros. Segundo Rocha, “no mundo
moderno a dádiva está relacionada à dívida” (2011, p. 62), ou seja, o crente doa algo, como o
leilão, e, em troca espera receber algo, uma graça, ou então paga-se ao santo uma dádiva já
alcançada através de uma promessa feita anteriormente. O autor destaca ainda que,
Mauss pensa a dádiva como um fenômeno mais orgânico do que a simples troca; a
dádiva pressupõe relação de reciprocidade. [...] Numa clara referência
durkheimiana e lévi-straussiana, imaginamos os atos de dar, de receber, de retribuir,
complementados pelo ofertar e o pedir, como sendo os “os gestos elementares da
reciprocidade” (2011, p. 64-68).
Reciprocidade esta, que d. Maria fazia questão de adiantar para o Santo, pois, após
entregar o leilão o visitante era convidado para entrar e tomar um reforçado café da manhã,
com bolo cozido na palha da bananeira, biscoito de goma, broa de fubá, biscoito doce de trigo
e farinha, entre outros. À Andrelina, que já havia chegado, coube a responsabilidade de
acompanhar os visitantes para tomarem água, ou tomarem o lanche reforçado. Ela parecia
animada com a festa. Recebia todos com carinho e os acompanhava até a cozinha. Às vezes
eu procurava ouvir o que ela conversava com os visitantes, conhecidos ou menos conhecidos.
Quando pude ouvir, os diálogos eram de agradecimento pela presença daquelas pessoas e se
aceitava um café, ou uma água, já as direcionando para o interior da casa.
Quando todos os marujos chegaram, entraram e tomaram café. Em seguida, reuniram-
se no “terreiro da sala”, como dizem por lá, e começaram a ensaiar antes de buscarem a
bandeira de Bom Jesus, que estava na casa de uma vizinha há uns seiscentos metros de
distância. Perguntei a d. Maria como era feita a escolha da casa, onde a bandeira era deixada
para ser buscada pelos marujos, ela respondeu-me que durante os cultos aos domingos, as