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A filha da feiticeira - Paula Brackston

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beterraba em conserva em seu lugar, já havia me livrado <strong>da</strong>quela melancolia. As<br />

fileiras brilhantes de potes de vidro com provisões sugeriam ordem e segurança.<br />

Naquela noite, acendi apenas velas na cozinha e sentei-me junto ao fogão, com a<br />

porta do forno aberta, observando uma tora de macieira queimar. Aquela visão me<br />

aqueceu mais do que qualquer calor seria capaz de fazer. Eu estava vesti<strong>da</strong>, como<br />

sempre fazia nos meses de inverno, com cama<strong>da</strong>s de roupas confortáveis: uma<br />

combinação de se<strong>da</strong>, meias de lã macias, uma camisa de algodão, uma saia pesa<strong>da</strong><br />

que chegava ao chão e dois suéteres leves. Minhas botas de couro de foca foram<br />

presentes de um pescador esquimó, durante o tempo em que vivi nas grandes<br />

planícies gela<strong>da</strong>s do norte. Tirei um dos suéteres de lã, e um fio se rompeu quando<br />

puxei a peça pela cabeça. Pequenas fagulhas crepitaram por entre as fibras <strong>da</strong><br />

madeira, deixando os meus cabelos visíveis para um olho atento na semiescuridão.<br />

Virei-me para a mesa e coloquei um pouco de óleo para esquentar no fogão.<br />

Alecrim. Logo a cozinha estava toma<strong>da</strong> pelo aroma estimulante. Como de costume,<br />

o cheiro me fez pensar em minha mãe. Os olhos dela eram azuis como as flores do<br />

alecrim e sua presença, tão poderosa e reconfortante como a essência <strong>da</strong> erva.<br />

Mesmo agora, posso vê-la me mostrando pacientemente como amarrar os ramos e<br />

colocá-los para secar. Eu não devia ter mais de 6 anos. Ela ficava de pé, atrás de<br />

mim, e envolvia meus braços com os seus, inclinando-se para guiar meus dedos<br />

desajeitados. Eu ficava envolvi<strong>da</strong> por seu infinito amor maternal, e aspirava seu<br />

perfume doce. Minha mãe tinha tanta paciência. Tanta ternura. Tanta determinação<br />

em me ensinar tudo o que sabia, em compartilhar comigo todos seus<br />

conhecimentos maravilhosos. O mais cruel dos tormentos <strong>da</strong> minha i<strong>da</strong>de tão<br />

avança<strong>da</strong> é que a dor nunca diminui, não além de certo limite. Ela simplesmente<br />

continua, minha única companhia através de oceanos de tempo.<br />

13 de fevereiro de 2007 — a lua entra em capricórnio<br />

Ain<strong>da</strong> faz frio, mas a gea<strong>da</strong> está diminuindo. Aventurei-me até o vilarejo. Eu<br />

sabia que estava adiando o inevitável. Embora eu não queira encorajar mais do que<br />

o contato básico com meus vizinhos, sei que seria um erro permanecer<br />

completamente afasta<strong>da</strong>. Ser uma reclusa é o mesmo que ser misteriosa, e isso seria<br />

testar a curiosi<strong>da</strong>de dos aldeões <strong>da</strong> era moderna. É melhor me render aos acenos<br />

amistosos de cabeça, às trocas de gentilezas e às conversas sobre o tempo. Eu me<br />

esforçarei para manter uma conversa entediante, até chegar ao ponto <strong>da</strong> grosseria,<br />

se for necessário. Darei apenas informações suficientes para que aqueles que se

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