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A filha da feiticeira - Paula Brackston

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Anne respirou fundo e virou sua única <strong>filha</strong> viva em direção ao chalé.<br />

— Venha — disse ela. — Vamos entrar.<br />

A febre rapi<strong>da</strong>mente roubou de Bess todo o senso de tempo ou noção de<br />

reali<strong>da</strong>de. Ela estava consciente <strong>da</strong> presença de sua mãe, de ser lava<strong>da</strong> com água de<br />

rosas e massagea<strong>da</strong> com óleos perfumados. Registrara uma colher que fora leva<strong>da</strong><br />

aos seus lábios ou uma xícara derramando um líquido em sua boca. Além disso, o<br />

mundo não existia para ela. Tudo o que conhecia era dor e delírio. De repente,<br />

sentia tanto calor que imaginava que o sapê do telhado estava em chamas e, ao<br />

mesmo tempo, tanto frio que acreditava que já deveria estar morta. Seu corpo, de<br />

alguma forma, separou-se dela mesma, como se ela não tivesse controle sobre ele<br />

nem domínio de sua utili<strong>da</strong>de. Era um canal de agonia, na<strong>da</strong> mais. Ela ouviu um som<br />

áspero e rascante. Seria o vento descendo pela chaminé? Ou madeira sendo<br />

serra<strong>da</strong>? Não, deu-se conta de que era o som de sua própria respiração. O ar era<br />

carregado para dentro e para fora de seu corpo como um fole de ferreiro atiçando o<br />

fogo de sua febre. Em alguns momentos, sentia uma calma, uma aceitação de que<br />

iria morrer. Era certo que deveria. Por que seria ela a viver, se apressara a morte <strong>da</strong><br />

pobre Margaret? Estaria com os outros em breve. Houve uma vez, na escuridão, em<br />

que ouviu a voz de sua mãe. Imaginou tê-la ouvido falar em viver, e não morrer,<br />

embora suas palavras fizessem pouco sentido. Então, estranhamente, Anne<br />

desaparecera. Bess não podia saber realmente se ela não estava na casa, mas tinha<br />

certeza de que estava sozinha. Não sozinha por dez minutos, enquanto sua mãe<br />

buscava madeira ou água, mas sozinha por uma longa, uma vazia e silenciosa porção<br />

de tempo.<br />

E, nesse tempo, Bess sonhou. Era um sonho tão real quanto qualquer<br />

memória. Via a si mesma dentro <strong>da</strong> cova vazia de Thomas, a chuva descendo pelas<br />

laterais íngremes de forma que uma poça de água lamacenta se erguia até seus<br />

joelhos. Arranhava a terra escorregadia, lutando para sair, mas sem conseguir apoio.<br />

Deslizava para baixo, caindo de costas no atoleiro, submergindo por um instante.<br />

Sentava-se, afogando, cuspindo lama, esfregando a água barrenta de seus olhos.<br />

Quando o fazia, via Thomas, como estava durante os piores ataques <strong>da</strong> peste,<br />

sentado do lado oposto ao dela. Ele a encarava com seus olhos grotescamente<br />

inchados e seu rosto enegrecido. Ela gritou e começou a escalar novamente, mas<br />

dessa vez foi atingi<strong>da</strong> pelo corpo de Margaret, que fora jogado na cova. A criança<br />

voltava seu rosto raivoso para Bess, gritando com ela:<br />

— Você fez isso comigo, Bess! Você me matou!

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