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A filha da feiticeira - Paula Brackston

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sangue. Com cui<strong>da</strong>do, coloquei a mão em seu peito e puxei as cobertas, apertandoas<br />

em torno dele. Procurei algumas palavras de conforto, de esperança ou de<br />

confiança que eu pudesse lhe oferecer, mas nenhuma me ocorreu, pois não havia<br />

esperança. Nós dois sabíamos disso.<br />

Deixei sua cabeceira e sumi pela porta <strong>da</strong> ten<strong>da</strong>. Já estava escuro lá fora e<br />

senti o ar animadoramente limpo e fresco. Eu caminhava de cabeça baixa, sem<br />

saber onde estava indo, querendo apenas me afastar do sofrimento na ten<strong>da</strong> de<br />

reanimação. Dobrei uma esquina e dei de cara com Strap.<br />

— Eu avisei! — Ela me pegou enquanto eu quase cambaleava. — Fique<br />

firme, garotona. Não vai se juntar às baixas agora, não é? — Ela me examinou com<br />

mais atenção. — Você parece esgota<strong>da</strong>. Venha comigo, vamos nos sentar e fumar<br />

uns cigarrinhos. — Ela me conduziu por trás <strong>da</strong> cabana <strong>da</strong>s enfermeiras até o degrau<br />

de uma porta dos fundos, raramente usa<strong>da</strong>. Sentamo-nos, sem nos importarmos<br />

que a madeira úmi<strong>da</strong> e a lama pudessem molhar nossos uniformes, sem nos<br />

importarmos com na<strong>da</strong> além <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de uma pausa. Ela tirou um maço de<br />

cigarros do bolso e o ofereceu para mim. Vendo minha hesitação, disse:<br />

— Você pode, sim, vamos lá. É a única coisa que todos nós podemos fazer<br />

aqui. — Ela riscou um fósforo e me inclinei para a frente. Ficamos ali senta<strong>da</strong>s,<br />

fumando em silêncio por um tempo. Esfreguei minhas têmporas, imaginando como<br />

ela conseguia parecer tão alegre com os desafios que devia enfrentar dia após dia.<br />

Meu cansaço não passou despercebido.<br />

— Nem preciso perguntar o que você achou <strong>da</strong> reanimação — disse ela. —<br />

Posto miserável. Fiquei lá por alguns meses. Foi um bendito alívio ser designa<strong>da</strong><br />

para o pré-operatório, não me importo de lhe dizer.<br />

— Alguns deles são tão jovens.<br />

— Bebês. Meros bebês.<br />

— E nós podemos fazer tão pouco.<br />

— Sinto dizer que é melhor soprar os pe<strong>da</strong>ços dessas pessoas do que<br />

recosturá-las. Essa é a triste ver<strong>da</strong>de. — Ela se recostou no batente <strong>da</strong> porta. — Foi<br />

sempre assim, suponho.<br />

— Pelo menos no pré-operatório há uma chance — disse eu, um tanto<br />

enjoa<strong>da</strong> depois <strong>da</strong> terceira traga<strong>da</strong> na fumaça do cigarro. — Na reanimação, bem, a<br />

maior parte deles nem chega até a sala de cirurgia. Para alguns deles seria melhor...

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