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A filha da feiticeira - Paula Brackston

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fiquei maravilha<strong>da</strong> com a capaci<strong>da</strong>de humana de bravura, com a força de espírito<br />

que alguns possuem. E com a capaci<strong>da</strong>de do homem de infligir sofrimentos tão<br />

cruéis a seus irmãos.<br />

Verifiquei os pacientes <strong>da</strong> lista que precisavam de troca de curativos. Ca<strong>da</strong><br />

sol<strong>da</strong>do parecia apresentar um conjunto de lesões mais apavorante que o último;<br />

alguns cegos e aterrorizados, outros queimados e irreconhecíveis, outros mais sem<br />

pernas e indefesos. E ca<strong>da</strong> um suportava seu sofrimento com uma firmeza calma<br />

que me humilhava. No início, fiquei imaginando se eles pareciam tão tranquilos<br />

porque estavam fracos demais para se queixar ou porque simplesmente haviam<br />

desistido <strong>da</strong> luta e estavam esperando a morte. Mas, rapi<strong>da</strong>mente, percebi que esse<br />

não era o caso, pelo menos não para a maioria deles. Ca<strong>da</strong> homem estava trancado<br />

em seu próprio tormento pessoal, e só Deus poderia saber que terrores aqueles<br />

rapazes reviviam nos momentos mais escuros <strong>da</strong> noite. Ain<strong>da</strong> assim, eram capazes<br />

de encontrar forças para lutar. Era isso o que significava ser um ver<strong>da</strong>deiro sol<strong>da</strong>do,<br />

eu imaginava. Não apenas ser capaz de lutar no campo de batalha, mas ser capaz de<br />

derrotar os próprios demônios, e mais uma vez, e de novo e de novo, de qualquer<br />

forma que fosse necessário? Havia muito poucos <strong>da</strong> ten<strong>da</strong> de reanimação que<br />

desejavam morrer, e os que queriam dificilmente poderiam ser culpados por isso.<br />

Ao fim de meu primeiro turno, cerca de doze horas após eu ter desfeito o<br />

primeiro curativo, parando apenas por meia hora para almoçar uma sopa agua<strong>da</strong>,<br />

voltei mais uma vez ao cabo Davies. Ele dormia de forma intermitente, sua<br />

respiração era superficial e irregular. De repente, um feroz ataque de tosse o<br />

despertou. Lutou para se erguer e eu me apressei para ajudá-lo. Inclinou-se para a<br />

frente, pigarreando sangue, lutando para puxar o ar para seus pulmões que estavam<br />

falhando. Quando finalmente caiu para trás em seu travesseiro, um gorgolejo<br />

medonho acompanhava ca<strong>da</strong> respiração fraca. Ele olhou para mim, com os olhos<br />

cheios de pânico, e apertou minha mão.<br />

— Não!... — balbuciou ele.<br />

— Shh, não há necessi<strong>da</strong>de de tentar conversar.<br />

— Não... — Ele tentou de novo, ca<strong>da</strong> palavra arranca<strong>da</strong> de seu corpo com<br />

um esforço hercúleo. — Não deixe que eu me afogue!<br />

Permiti que apertasse minha mão com muita força e me forcei a olhar em<br />

seus olhos. Ele sabia o que viria a seguir. Horas, talvez dias, lutando para respirar,<br />

engasgando e vomitando e sufocando, até finalmente se afogar em seu próprio

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