PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
cerimónia de rapar o cabelo se realizar apenas entre as mulheres, é<br />
também prática o parto ser em casa da mãe da mulher grávida, sendo<br />
este um lugar de dominação feminina. Todavia, esta é uma das normas<br />
que dificilmente se concretiza fora dos países de origem:<br />
“Agora, praticamente, as crianças sempre é na maternidade que<br />
nascem, não é Porque ter a sorte de ter a criança em casa, hoje<br />
em dia já é raro”. (Fatimah, 58 anos, origem indiana)<br />
Do mesmo modo, a imolação do carneiro nem sempre é praticada em<br />
Portugal, ou é uma das práticas ligadas ao ritual de nascimento que mais<br />
claramente se transforma e adapta à sociedade receptora:<br />
“Quando o bebé faz uma semana é tipo baptizado, para dar um<br />
nome. Matar um carneiro, rapar o cabelo e dizer: «A partir deste<br />
dia chama-se tal». Dão um nome quando a criança tiver uma<br />
semana, antes não dão. A mãe não pode sair mesmo enquanto<br />
não fizer uma semana. Mas aqui já não cumprem tanto, porque<br />
aqui já não é como em África, já não matam o carneiro mesmo na<br />
própria casa. Em África matam na casa, cá já não, já vão comprar”.<br />
(Aisatu, 23 anos, origem guineense)<br />
Entre as indianas, foi ainda referida a prática do sacrifício do carneiro no<br />
país de origem, junto dos familiares residentes em Moçambique, mesmo<br />
quando a criança nasce em Portugal:<br />
“Se for uma rapariga matas três carneiros, se for rapaz só se<br />
mata um. Nós pedimos para fazer em Moçambique, por acaso<br />
ainda estamos em falta. E, depois, parte da comida vai para os<br />
pobres. Nós íamos mandar fazer lá porque, pronto, estão lá os<br />
tios do meu marido e sai muito mais barato. Três carneiros, estás<br />
a ver Mesmo aqui já não há tanta gente que... Mas tenho primos<br />
que fizeram mesmo aqui”. (Inas, 27 anos, origem indiana, mãe de<br />
uma criança de 2 anos)<br />
O cumprimento destas práticas por parte das mulheres muçulmanas de<br />
origem indiana e guineense é, de uma forma mais ou menos adaptada,<br />
mantido em Portugal, e mesmo as jovens que já têm filhos deram ou<br />
tencionam dar continuidade ao ritual. Verificam-se, todavia, diferenças<br />
entre as gerações. As raparigas mais novas manifestam geralmente<br />
algum afastamento face à prática e significado do rito de nascimento.<br />
Hana, a jovem de origem indiana que se sente mais afastada da religião<br />
muçulmana, afirma mesmo não atribuir qualquer importância a estas<br />
práticas, e menciona o nascimento dos sobrinhos, filhos de pai<br />
caboverdiano, como exemplo do não cumprimento das mesmas na sua<br />
família. Diminga, de origem guineense, não quis que a prática de rapar o<br />
Maria Abranches<br />
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