PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
coesão familiar forte que persiste nestes grupos, que não permite a<br />
mesma evolução do processo de privatização da vida familiar, como<br />
aquela que se verifica na população portuguesa. A tradicional presença<br />
dos sogros nos agregados domésticos destas mulheres, principalmente<br />
entre as indianas, é disso um exemplo, embora tenha também vindo a<br />
sofrer algumas alterações.<br />
De facto, a tradição que impunha às mulheres que se casavam a<br />
passagem para casa dos sogros contribui para que, sobretudo entre as<br />
indianas mais velhas, os pais do marido vivam frequentemente no mesmo<br />
grupo doméstico. Esta imposição não agrada, porém, muitas vezes, às<br />
mulheres, que reconhecem nesta tradição a possibilidade de conflitos<br />
familiares e um obstáculo à autonomização:<br />
“Esta casa foi comprada e éramos para fazer dois em um,<br />
porque, naquela altura, a minha sogra vivia connosco (...).O filho<br />
comprou esta casa para ser a parte dela, e eu tinha a minha.<br />
Mas era junto, éramos para abrir ao meio e fazer duas em uma<br />
casa, e cada um tinha o seu canto, para não entrar em choque,<br />
em conflito. Não chegámos a fazer porque ela depois acabou por<br />
falecer”. (Samirah, 38 anos, origem indiana, em Portugal desde<br />
1988)<br />
“A evolução de hoje a gente também vê, porque no nosso tempo<br />
era o marido que era obrigado a ter a casa para a gente viver, o<br />
sustento era em cima do marido. Mas hoje em dia… As raparigas<br />
hoje também pouco querem viver com os sogros, não é Nós não,<br />
nós tínhamos que viver mesmo com os nossos sogros, tinham<br />
cunhados, tinham cunhadas, tínhamos que aguentar com todos,<br />
né (...) Mas hoje, as raparigas de hoje não querem, quem casa<br />
quer casa, não é”. (Raja, 49 anos, origem indiana, em Portugal<br />
desde 1981)<br />
Esta é, portanto, uma tradição que se transforma e adapta às novas<br />
circunstâncias de vida em Portugal e às novas gerações, que já raramente<br />
vão viver para casa dos sogros e, nas situações em que o fazem,<br />
podem mesmo gerar-se conflitos, no sentido em que, para elas,<br />
detentoras de maior autonomia, escolarizadas e mais influenciadas pelo<br />
contexto envolvente, deixa de fazer sentido o período de aprendizagem,<br />
com a sogra, da forma de servir o marido de acordo com as preferências<br />
deste. Para Inas, a única jovem indiana entrevistada casada que passou<br />
pela transição para casa da sogra, essa passagem acabou mesmo por<br />
levar a uma separação:<br />
“Normalmente nós, quando casamos, a nossa base, das raparigas,<br />
é: «Deixamos de pertencer à família dos nossos pais e<br />
Maria Abranches<br />
81