PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
que revela que uma das principais preocupações da família, pelo facto de<br />
os seus sobrinhos serem filhos de pais muçulmanos e católicos, consiste<br />
no ritual a seguir após a morte:<br />
“É o que a minha mãe diz, que preferia que eles tomassem...<br />
fossem abençoados por alguém. Porque imagina que acontece<br />
alguma coisa, alguma fatalidade Eles têm que ser seguidos por<br />
alguma coisa, o funeral tem que seguir certos rituais, e aí vai<br />
haver a discussão, percebes Ou vai ser pela católica ou vai ser<br />
pela muçulmana. Daí, pronto... Mas também não vamos estar a<br />
pensar nessas situações agora”. (Inas, 27 anos, origem indiana)<br />
Hana, por seu lado, mais afastada das práticas religiosas, afirma compreender<br />
e aceitar melhor o ritual que acompanha as cerimónias da<br />
morte do que os rituais de nascimento:<br />
“Eu nem sei muito bem se eu acho aquilo correcto ou não. É complicado<br />
porque é assim… Eu até, se queres que te diga, acho<br />
aquilo um ritual bonito… Uma pessoa tem que ter um grande<br />
estômago para aguentar aquilo, mas é um ritual… eu acho que é<br />
interessante”. (Hana, 23 anos, origem indiana)<br />
Embora actualmente quase não pratique a religião, Hana refere que,<br />
antes do falecimento da mãe, participava sobretudo nas cerimónias<br />
ligadas à morte de pessoas da comunidade que, sendo fortemente coesa,<br />
torna essas cerimónias, à semelhança do casamento, um acontecimento<br />
colectivo, que reforça essa mesma coesão:<br />
“É assim, agora não vou mesmo à mesquita. Antes de a minha<br />
mãe morrer eu às vezes ia com ela. Quando havia assim alguma<br />
missa de alguém que morreu, ou assim, eu ia com ela. Ela pegava<br />
noutras pessoas também que iam e iam todas, e eu, às vezes, ia<br />
com elas. Agora, às vezes, quando alguém morre dizem-nos:<br />
«Olha, morreu a pessoa tal, a missa é no sítio tal, e não-sei-quê»,<br />
só que, ó pá, a gente já nem vai, entendes Com a minha mãe era<br />
uma coisa, mas…” (Hana, 23 anos, origem indiana)<br />
O ritual de preparação do corpo, do enterro e da cerimónia que se realiza<br />
passados 40 dias da morte é semelhante entre a população de origem<br />
guineense e indiana muçulmana, sendo adaptado ao novo meio em<br />
contexto migratório, e constituindo uma das dificuldades sentidas com a<br />
migração, sobretudo devido à inexistência de cemitérios islâmicos e<br />
porque nem sempre é possível realizar o enterro no espaço destinado aos<br />
muçulmanos no cemitério de Odivelas:<br />
“Olha, morreu a minha tia em Inglaterra, o meu pai foi a correr<br />
para o funeral. Faleceu cá a minha avó, vê lá, sábado à noite, e<br />
Maria Abranches<br />
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