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PERTENÇAS FECHADAS EM ESPAÇOS ABERTOS - Acidi

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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />

Tal como Mariatu, também Nafanta, imigrante guineense há apenas quatro<br />

anos em Portugal, conseguiu iniciar cá os estudos, frequentando<br />

actualmente a 2. a classe. Estes são claramente casos em que a migração<br />

proporcionou alguma capacidade de ultrapassar o controlo familiar e<br />

social exercido na origem, e em que os estudos, mesmo não fazendo<br />

inicialmente parte dos objectivos migratórios, possibilitaram alguma<br />

autonomização e realização pessoal. Outro exemplo significativo é o de<br />

Fulé que, sendo filha de pai muçulmano e mãe caboverdiana católica,<br />

recebeu apoio da mãe para estudar:<br />

“Na Guiné estudava, estudei até ao 6.º ano. (...) Alguns pais não<br />

deixavam as filhas estudar, mas eu não. A minha mãe é<br />

caboverdiana, o meu pai é que é muçulmano, é mandinga”.<br />

[Acha que tem a ver com isso]<br />

“Acho, porque a minha mãe fazia pressão que eu tinha que ir à<br />

escola. A minha mãe fazia pressão”. (Fulé, 44 anos, origem<br />

guineense, em Portugal desde 1999)<br />

Mas é, sobretudo, entre as mais jovens, que as diferenças mais se<br />

salientam. Ao contrário das guineenses, quase todas as jovens de origem<br />

indiana completaram ou frequentam o ensino superior, inserindo-se<br />

também, mais frequentemente do que as primeiras, em actividades<br />

técnicas e qualificadas (ver quadro 7). Em alguns casos, a frequência<br />

universitária das jovens de origem indiana foi claramente negociada com<br />

os pais, que inicialmente não concordavam com o prosseguimento dos<br />

estudos. As mães ocupam um papel fundamental no processo de<br />

negociação, procurando estrategicamente, sem entrar em conflito com o<br />

cônjuge, que este aceite a nova situação escolar das filhas. Se, por um<br />

lado, os estudos mais prolongados destas constituem um veículo de<br />

transmissão das normas e valores da sociedade receptora implicando,<br />

por conseguinte, um risco de perda de valores tradicionais, por outro<br />

lado, as mães apreciam a autonomia que as filhas ganham por meio da<br />

escolarização, à qual elas próprias não tiveram acesso. As estratégias de<br />

autonomização das filhas, nas quais as mães se tornam cúmplices, são,<br />

tal como os projectos em geral, conscientes, envolvendo cálculos e<br />

planeamentos, ou seja, uma noção dos riscos e perdas, quer em termos<br />

individuais, quer para o grupo (Velho, 1987).<br />

A forma como as raparigas de origem guineense e indiana gerem as<br />

vantagens do seu maior capital escolar é bem visível nos seus discursos,<br />

onde se verifica um reconhecimento das possibilidades que esse capital<br />

lhes proporciona em termos futuros, contrapondo-se ao fechamento<br />

tradicional que proibia os estudos às mulheres. Sendo as mães a<br />

responsabilizar-se pela educação das filhas e pela transmissão dos<br />

Maria Abranches<br />

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