PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
pessoa tira o cabelo e dão-lhe um nome, e matam carneiros, acho<br />
eu. Tem aquela festa, comida, e não-sei-quê”. (Kumbá, 19 anos,<br />
origem guineense, chegou a Portugal em 1994, com 10 anos)<br />
Da interacção entre religião muçulmana e tradições de origem animista,<br />
podem ainda resultar outros factores que influenciam a condução do<br />
ritual. No nascimento de Diminga, por exemplo, não foi realizada a acção<br />
ritual, por crenças supersticiosas ligadas à má sorte na família, tendo<br />
sido levada a cabo a celebração já em idade adulta:<br />
“Quando o meu filho nasceu fizemos o baptizado dele, o baptizado<br />
muçulmano e, além disso, eu também fui baptizada na altura. Não<br />
tinha sido baptizada porque, pronto, lá em casa o meu pai diz que<br />
não baptizava os filhos, porque ele já tinha tido um filho e o filho<br />
morreu assim que ele baptizou. Era do primeiro casamento dele.<br />
Então ele, naquela coisa, diz que na família dele não baptiza os<br />
filhos, considerou tipo uma coisa que lhe dá má sorte”. (Diminga,<br />
25 anos, origem guineense, nascida em Portugal, filha de<br />
Mariatu,)<br />
Apesar destas transformações, interacções e adaptações culturais, o rito<br />
do “sete” entre os guineenses, comum a animistas, cristãos e<br />
muçulmanos, mantém-se no país de imigração de forma mais acentuada<br />
entre os muçulmanos do que entre as outras religiões, sendo traduzido<br />
numa maior sobriedade e religiosidade (Quintino, 2004).<br />
A este propósito, importa aqui fazer uma referência à prática da excisão,<br />
existente no período pré-islâmico na Guiné, e mantida ainda hoje numa<br />
parte desta população. O continente africano é, de facto, o principal palco<br />
desta prática, que se realiza em 28 países, sendo a Somália, Djibuti,<br />
Eritreia, Etiópia, Serra Leoa, Sudão e Gâmbia os que apresentam as<br />
maiores taxas, rondando os 90% das respectivas populações femininas<br />
(Branco, jornal Público, 04/08/2002). O facto de a prática da excisão ser<br />
observável, contudo, não apenas entre populações muçulmanas, mas<br />
também entre cristãos e animistas, em alguns destes países e mesmo<br />
noutros, longe do continente africano, dificulta a aproximação a uma<br />
explicação única que cubra os vários enquadramentos socioculturais em<br />
que ela tem lugar.<br />
Pode, todavia, dizer-se que, nas sociedades em que se pratica a excisão,<br />
a autoridade e o controlo da sexualidade da mulher, geralmente pouco ou<br />
mesmo nada escolarizadas, são claramente estabelecidos (Porgès, 2000).<br />
A excisão liga-se, assim, a crenças e tradições socioculturais enraizadas<br />
nas sociedades que a praticam, tais como a garantia da fidelidade, a<br />
Maria Abranches<br />
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