PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
Neste discurso é ainda introduzida a questão da circuncisão entre os<br />
rapazes, sendo esta, ao contrário da excisão, comum entre a população<br />
de origem guineense e indiana, e estando, de facto, ligada à religião. Em<br />
Portugal esta prática mantém-se, sendo realizada nos próprios hospitais:<br />
“Ah, não, não. Nós não fazemos a excisão. Nem em Moçambique<br />
nem aqui em Portugal. Nunca houve essa coisa. Se é um rapaz a<br />
gente tenta fazer a circuncisão dentro dos 40 dias, porque como é<br />
bebé pequenino despacha-se”. (Raja, 49 anos, origem indiana)<br />
“Agora querem acabar com aquilo nas mulheres, porque dizem<br />
que só os homens é que têm que fazer. O meu filho fez com 3 anos<br />
também, parece. Fez cá no hospital”. (Mariatu, 44 anos, origem<br />
guineense)<br />
Embora seja difícil saber-se ao certo, conhece-se a existência de casos de<br />
perpetuação da prática da excisão nos países de imigração, sobretudo<br />
quando as crianças são ainda muito pequenas. Em alternativa, cumprese<br />
o ritual na ocasião de um retorno provisório com a mãe ao país de<br />
origem:<br />
“Todas fizeram, mesmo as que nasceram cá. Foi lá, foi quando eu<br />
fui de férias com elas, porque elas só foram lá uma vez. Acho que<br />
a [Diminga] tinha 2 anos a procurar 3”. (Mariatu, 44 anos, origem<br />
guineense, mãe de Diminga)<br />
Esta situação faz ressaltar a ideia de que não pode haver tolerância<br />
cultural que permita a violação de direitos humanos universais.<br />
O “fanado”, nome que se dá ao ritual de iniciação, quer para rapazes quer<br />
para raparigas, encontra actualmente formas alternativas na Guiné,<br />
através da continuação do rito sem o corte do clitóris. Este projecto do<br />
“fanado alternativo” foi criado, há quatro anos, pela organização Simin<br />
Mira Nassiquê (que significa, na língua étnica dos mandingas, “olhar o<br />
futuro”), e consiste numa cerimónia de preparação das jovens, em que<br />
são transmitidas as normas de respeito aos mais velhos e os segredos<br />
mágicos relativos ao respectivo grupo étnico, bem como regras de higiene<br />
e cuidados básicos de saúde. A aderência ao “fanado alternativo” ainda<br />
encontra, contudo, vários obstáculos e formas de resistência, na medida<br />
em que se trata de modificar uma tradição ancestral, transmitida de<br />
geração em geração, e que consiste num rito considerado necessário<br />
para a passagem à condição de mulher e ao reconhecimento enquanto tal<br />
perante a comunidade. Para além disso, outro dos principais problemas<br />
a resolver é a formação alternativa e os apoios que têm que passar a<br />
receber as “fanatecas”, mulheres mais velhas que fazem do “fanado”,<br />
desde sempre, a sua profissão, que, de resto, é considerada uma<br />
actividade prestigiada socialmente (Branco, revista Pública, 16/11/2003).<br />
Maria Abranches<br />
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