PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
vezes. Pá, houve uma altura que calhou todos os anos eu ir, e<br />
ainda por cima na melhor altura, que é na altura do Ramadão. Pá,<br />
eu devia estar muita bem com Deus, Deus devia-me estar, tipo, a<br />
curtir imenso. (…) Ia a minha família toda da parte do pai, e encontrava-me<br />
lá sempre com os meus primos, o que ainda é mais<br />
louco. Estás a curtir, ao mesmo tempo estás num sítio que é<br />
muita calmo, é espiritual, mas curtimos, rimos, fazemos porcaria,<br />
estamos lá a gozar com todos e mais alguns, pregamos partidas<br />
à minha avó que quase tem um ataque de coração... percebes”<br />
(Rafiah, 21 anos, origem indiana)<br />
“Quando a gente vem de Meca, a gente pensa: «Ai não, eu vou<br />
seguir a religião, cinco orações por dia, não vou perder nenhuma»,<br />
e essa coisa, pronto. Ali é só rezar, não é O tempo a gente passa<br />
nas orações. Não digo que a gente não faça compras, porque a<br />
gente compras faz, mas pronto, na hora das orações fecham logo<br />
as lojas, e mesmo as lojas estando abertas as pessoas vão para a<br />
rua rezar. (…) Portanto, naquela altura não dá para a gente estar a<br />
fazer compras, a gente tem que sair mesmo da loja e, pronto, e<br />
começar a rezar, não é Mas já sabe, depois a gente aqui entra<br />
naquele ritmo mundano… Não digo que não há pessoas que sigam<br />
sempre, mas…” (Raja, 49 anos, origem indiana)<br />
Esta reinterpretação de símbolos e práticas religiosas também se encontra<br />
entre as jovens guineenses que ainda não fizeram a peregrinação,<br />
observando-se no testemunho de Kumbá, por exemplo, a associação do<br />
gosto de viajar ao cumprimento deste pilar do Islão:<br />
“Gostava, gostava imenso de ir lá. Gostava imenso, mesmo. Mas<br />
gostava de ir lá, não é só por causa da religião, é porque eu adoro<br />
viajar”. (Kumbá, 19 anos, origem guineense)<br />
Entre as indianas, Leila é, por sua vez, a única mulher que alterou de<br />
forma profunda os seus hábitos e comportamentos em função da purificação<br />
que a peregrinação a Meca representa. Ayra, por seu lado, refere ter<br />
passado a consumir apenas carne hallal 29 , prática que, de resto, é comum<br />
a outras entrevistadas. A ausência de talhos muçulmanos nos primeiros<br />
tempos em Portugal é, aliás, referida por algumas mulheres como uma<br />
das dificuldades inicialmente sentidas, sendo também mencionado o<br />
cuidado necessário com as refeições dos filhos nas escolas.<br />
“Olha, uma coisa que mudou… Por exemplo, eu não ligava muito<br />
à carne, não consumia carne de porco, mas era capaz de ir a um<br />
29. Carne abatida por um muçulmano, em que é pronunciada a frase “Bismillah” (que<br />
significa “Em nome de Alá”).<br />
Maria Abranches<br />
156