PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
As restantes indianas mais velhas usam geralmente o vestuário<br />
tradicional, embora o uso do lenço seja abandonado por Raja, também<br />
por influência da sociedade onde se insere:<br />
“Eu não uso sempre o lenço, né Mas na nossa religião é<br />
obrigatório a gente pôr o lenço na cabeça, porque na nossa<br />
religião, aos 12 anos a gente diz que a rapariga já é formada. Mas<br />
aqui, já sabe, em Portugal… Não digo que não dá, há pessoas que<br />
andam tapadas, mas eu… Quer dizer, tenho o meu lenço, só que<br />
na rua não digo que uso na cabeça”. (Raja, 49 anos, origem<br />
indiana)<br />
“Tenho roupas compridas e depois ponho lenço, portanto, na rua<br />
ando assim, com calça comprida. Mesmo para ir aqui ao supermercado<br />
já vou assim, só aqui em casa é que fico assim à<br />
vontade”. (Fatimah, 58 anos, origem indiana)<br />
“Quando saio à rua ponho aquele meu lenço e o meu vestido comprido.<br />
Só quando estou em casa ou estou a trabalhar é que não.<br />
É porque na nossa religião não pode, a mulher, mostrar o cabelo”.<br />
(Fariah, 68 anos, origem indiana)<br />
Todo o processo de socialização, não apenas entre grupos de religião<br />
muçulmana mas nas sociedades em geral, tende efectivamente a impor<br />
limites à mulher relacionados com o corpo, ligando o corpo feminino a<br />
uma necessidade de representação moral e atitude de reserva. As suas<br />
roupas devem, assim, reproduzir essa reserva que lhes convém, numa<br />
espécie de confinamento simbólico, assim como a postura feminina que,<br />
ainda hoje, é tida como conveniente, traduz-se numa atitude submissa<br />
que lhes é imposta. A forma de andar, o baixar de olhos ou o facto de<br />
dever aceitar interrupções num diálogo, constituem exemplos dessas<br />
limitações impostas às mulheres nas suas formas de participação e<br />
apresentação no espaço público (Bourdieu, 1999).<br />
As mulheres muçulmanas, cujas imposições são, a este nível, ainda mais<br />
limitadas, conseguem, porém, em contexto migratório, negociar alguns<br />
traços que dizem respeito ao regulamento religioso, sempre presente, do<br />
corpo da mulher. A imigração para Portugal aumenta e rentabiliza o<br />
conjunto de elementos culturais disponíveis para a (re)construção<br />
identitária, sem com isso pôr em causa a crença religiosa e a importância<br />
atribuída à religião e a alguns valores que a ela se associam. A nova<br />
dinâmica das relações sociais de género, que se pode encontrar até<br />
mesmo em algumas sociedades muçulmanas 31 , é, por exemplo, visível na<br />
negociação simbólica entre vestuário tradicional e ocidental que estas<br />
31. Ver, a este respeito, Cardeira da Silva, 1999.<br />
Maria Abranches<br />
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