PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
homens. Nas festas de casamento, por exemplo, embora as mulheres<br />
dominem o espaço da festa e sejam as protagonistas nesse cenário, são<br />
elas que servem as refeições aos homens que permanecem sentados nas<br />
mesas.<br />
Verifica-se, deste modo, uma distinção entre as posições de género<br />
assumidas nas várias fases dos ritos de passagem, cabendo sobretudo<br />
aos homens o poder de decisão e, às mulheres, uma posição de maior<br />
dependência mas, simultaneamente, de participação mais activa do que<br />
eles. Estão aqui em evidência, assim, as diferentes formas de poder<br />
associadas ao género, existentes também noutras esferas da realidade.<br />
Enquanto ao homem é reconhecido um poder doado, a mulher adquire<br />
um poder da prática (Almeida e outros, 1998). Erving Goffman, através da<br />
original metáfora teatral que utiliza, distingue os papéis de bastidor dos<br />
papéis de fachada, sendo os primeiros que preparam o desempenho de<br />
uma prática e os segundos que a exibem (Goffman, 1993). No caso da<br />
análise destes rituais, poderíamos relacionar os bastidores com o papel<br />
do homem e a região de fachada com a posição da mulher.<br />
O rito da morte, constituindo a excepção do protagonismo feminino, na<br />
medida em que é o homem que aqui assume o principal papel no decorrer<br />
da acção ritual, representa igualmente a diferença de significados<br />
atribuída ao género, que está na origem dos rituais de passagem. Assim,<br />
o paraíso, que, em árabe (Janna) significa jardim, é descrito como um<br />
lugar onde serão satisfeitos todos os prazeres dos eleitos, os quais são<br />
acolhidos por jovens mulheres eternamente virgens (Thoraval, jornal<br />
Público, 16/03/2003). Pelo contrário, o Alcorão nada diz sobre a<br />
recompensa reservada às mulheres (Weibel, 2000).<br />
Mais uma vez, a migração tende a ocupar uma posição fundamental na<br />
(re)construção identitária destas mulheres, quer através de uma intencionalidade<br />
própria com vista à alteração dessa posição subordinada, quer<br />
pelas transformações que necessariamente ocorrem, como, por exemplo,<br />
no que diz respeito à liberdade na escolha do cônjuge, à maior inviabilidade<br />
de situações de poligamia ou, a um nível mais grave, à luta contra<br />
a excisão. A própria articulação de símbolos tradicionais e ocidentais,<br />
em alguns destes rituais, em contexto migratório, sobretudo nas festas<br />
de casamento, é também uma confirmação da (re)construção identitária<br />
que associa modernidade e tradição e que torna singulares esses<br />
mesmos rituais realizados longe do país de origem.<br />
Maria Abranches<br />
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