PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
como veremos, certas normas possam ser negociadas, mesmo entre as<br />
jovens mais escolarizadas permanece a importância dos referenciais e<br />
das pertenças familiares, que condicionam os projectos individuais. No<br />
que diz respeito ao género, também na sociedade portuguesa as assimetrias<br />
se mantêm, como já foi referido, e formas de negociação são<br />
igualmente visíveis. “Os condicionamentos de género continuam a<br />
funcionar e impõem-se à vontade dos indivíduos, mas estes não deixam<br />
de explorar a ampliação possível das margens de manobra” (Torres,<br />
2002: 587).<br />
É, pois, essencial perceber de que forma as mulheres muçulmanas imigrantes<br />
utilizam as transformações características da sociedade<br />
ocidental – em que os traços distintivos da identidade e representação<br />
dos papéis feminino e masculino, embora permaneçam, tornam-se<br />
menos marcantes – na (re)construção das suas identidades. Através<br />
desta pesquisa será possível confirmar que, nas trocas simbólicas<br />
inerentes aos processos de (re)construção identitária em contexto de<br />
imigração, a condição feminina pode ser estrategicamente negociada. A<br />
este propósito, Latifah, uma jovem de origem indiana, professora<br />
primária, salienta a importância do seu trabalho para a construção da<br />
sua própria independência, reconhecendo simultaneamente a tradição<br />
inerente à religião muçulmana que atribui à mulher apenas o papel de<br />
dona de casa:<br />
“A maioria das mulheres muçulmanas são domésticas e, às<br />
vezes, sofrem, não é E, depois, se sofrem, pensam assim: «Para<br />
onde é que hei de ir Ele sustenta-me, vou aguentar. Tenho que<br />
ficar aqui caladinha, porque não tenho futuro, não tenho nada.<br />
Para onde é que hei de ir» (...) A minha independência acima de<br />
tudo, não é” (Latifah, 27 anos, origem indiana)<br />
A questão do trabalho feminino fora de casa encontra essencialmente<br />
dois tipos de abordagem nos modos de expressão islâmicos (Lamchichi,<br />
2002; Roald, 2001; Weibel, 2000). Na primeira, o papel da mulher circunscreve-se<br />
à casa e à família, sendo o exercício de uma profissão apenas<br />
admitido se as circunstâncias económicas o exigirem. Contudo, esta<br />
situação pode ser encarada como um fracasso do marido, incapaz de<br />
responder às necessidades da família. Porque a necessidade da contribuição<br />
económica da mulher se verifica frequentemente em contexto<br />
migratório, as sociedades ocidentais constituem, de acordo com esta<br />
perspectiva, uma fonte de relaxamento dos costumes.<br />
Ainda de acordo com a mesma abordagem, num contexto em que a<br />
moral religiosa seria diluída na liberdade individual ocidental, a mulher<br />
Maria Abranches<br />
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