PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
morreu, neste caso, na casa da minha mãe”. (Inas, 27 anos,<br />
origem indiana)<br />
A imolação de um animal faz parte das tradições muçulmanas ligadas ao<br />
ritual da morte entre os guineenses, sendo, contudo, menos frequente<br />
quando as cerimónias ocorrem em Portugal do que quando a acção ritual<br />
se realiza no país de origem:<br />
“Quando morre uma pessoa, normalmente há pessoas que<br />
sacrificam um carneiro, uma vaca, e fazem, assim, tipo missa.<br />
Quando o meu pai morreu eu não fui lá, foi a minha irmã mais<br />
velha, ela é que foi. Mataram uma cabra, fizeram tipo missa no<br />
primeiro dia. Quando fizer uma semana fazem novamente.<br />
Quando fizer 40 dias fazem. Depende da possibilidade, há pessoas<br />
que fazem só o primeiro dia, os que não têm possibilidade não<br />
fazem mais. Há pessoas que fazem só no primeiro e uma semana<br />
depois, e não fazem nos 40 dias porque não têm possibilidade,<br />
e há pessoas que fazem os três. Nós fizemos os três”. (Aisatu,<br />
23 anos, origem guineense)<br />
Como foi possível observar ao longo deste capítulo, as mulheres<br />
muçulmanas definem frequentemente estratégias de (re)construção de<br />
representações e práticas, relativamente a vários aspectos, numa<br />
sociedade culturalmente distinta, face a um contexto de origem onde<br />
predomina o controlo social e familiar. É, por sua vez, nos ritos de<br />
passagem que simbolizam as várias fases do ciclo da vida, excepto nos<br />
rituais ligados à morte, que a mulher representa o principal papel. “É, de<br />
facto, no universo feminino islâmico que se transmitem códigos de<br />
conduta e de permanência do grupo social, étnico e religioso, através dos<br />
rituais que acompanham as cerimónias de casamento e de nascimento de<br />
crianças” (Keshavjee, 1996: 192).<br />
Este papel diz respeito, todavia, apenas à participação da mulher na acção<br />
ritual, onde ela ganha, de facto, maior visibilidade, e não no processo da<br />
construção histórico-simbólica do significado desses rituais, cuja leitura<br />
revela muitas vezes factores de discriminação, que podem ser levados ao<br />
limite, como no caso da excisão que se verifica entre as guineenses. Com<br />
efeito, os ritos de passagem ampliam o princípio da inferioridade das<br />
mulheres, que figuram apenas como objecto nessas acções, ou seja,<br />
“enquanto símbolos cujo sentido se constitui sem elas e cuja função é<br />
contribuir para o aumento do capital simbólico detido pelos homens”<br />
(Bourdieu, 1999: 36-37). Assim, ainda que a mulher tenha geralmente um<br />
papel activo nas cerimónias rituais, esse protagonismo aparente acontece<br />
apenas por referência aos interesses materiais e simbólicos dos<br />
Maria Abranches<br />
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